Inglaterra vs. Alemanha

“Football is a simple game” [«O futebol é um jogo simples»], resumiu o antigo jogador inglês Gary Lineker. “22 men chase a ball for 90 minutes and, at the end, the Germans always win [«22 homens perseguem uma bola durante 90 minutos e, no final, os alemães ganham sempre]. Mas nem sempre foi assim.

A “finest hour” do futebol inglês

“They think it's all over... it is now!” [«Eles pensam que está tudo terminado… agora está!»]

Estádio de Wembley, 30 de julho de 1966. Aos 120 minutos, Geoff Hurst marcava o quarto golo da Seleção Nacional de Inglaterra e carimbava a vitória sobre a Alemanha e o título de campeões do mundo de 1966.

As palavras de Kenneth Wolstenholme, comentador da BBC, ficaram imortalizadas na cultura popular inglesa como um símbolo do triunfo.

O capitão Bobby Moore recebeu o troféu das mãos da Rainha Isabel II, coroando o final de um jogo acompanhado em direto por 4000 milhões de pessoas de todo o mundo.

 

 

“Like Royalty, they stand on the balcony to hear the cheers of the great crowd” [“Como membros da Família Real, vêm à janela escutar os aplausos da grande multidão»], escreveu o Sunday Mirror, a 31 de julho de 1966. “This was the England team last night after their great 4-2 World Cup win against West Germany” [«Esta foi a equipa inglesa na noite passada, depois da sua grande vitória por 4-2 no Campeonato do Mundo frente à Alemanha Ocidental»].

O título mundial, o único conquistado até então pelos Three Lions, fez capas por todo o país.

A celebração ganhava ainda mais fulgor por se tratar de uma vitória contra um adversário com um historial de peso.

Um historial que não passava necessariamente pelo campo de futebol.

"West Germany may beat us at our national sport today, but that would be only fair. We beat them twice at theirs” [«A Alemanha Ocidental pode derrotar-nos hoje no nosso desporto nacional, mas seria apenas justo. Nós derrotamo-los duas vezes no deles»], escrevey Vincent Mulchrone, do Daily Mail, na manhã da final do Campeonato do Mundo.

Em 1966, as feridas das duas Guerras Mundiais ainda estavam por sarar e os antagonismos eram transpostos para o desporto-rei.

Foi aliás, durante uma guerra que Inglaterra e Alemanha disputaram um dos seus mais lendários jogos de futebol.

Em 1914, a trégua de Natal entre os soldados que combatiam na Primeira Guerra Mundial deu a origem a uma partida de futebol disputada em terra de ninguém.

“Every acre of meadow under any sort of cover in the rear of the lines was taken possession of for football” [«Cada acre de terreno debaixo de qualquer tipo de cobertura na retaguarda das linhas foi utilizado para futebol»] , escreveu o The Guardian.

Os fora-de-jogo, as faltas e os golos políticos

A primeira partida entre as duas nações numa competição oficial teve lugar em 1930. O jogo, que decorreu em Berlim, terminou com um empate a três bolas.

Uma vez que o encontro foi organizado em solo estrangeiro, a cobertura mediática dos meios ingleses foi escassa. O TheTimes publicou apenas uma nota a informar do resultado.

Em 1938, a história foi bem diferente: desporto e política cruzaram-se no relvado do Estádio Olímpico de Berlim.

“The English team immediately made a good impression by raising their arms in the German salute while the band, after playing ‘God Save the King’, played the German National Anthem” [«A equipa inglesa deixou imediatamente uma boa impressão ao levanter os seus braços na saudação alemã enquanto a banda, depois de tocar “God Save the King”, tocou o hino nacional alemão»], escreveu o The Times.

O gesto tinha sido promovido pela Football Association e a Embaixada Britânica na Alemanha, por uma questão de diplomacia e devido à política externa inglesa [“peace for our time” – «paz para o nosso tempo»].

 

 

A Alemanha anexara a Áustria dois meses antes; o partido nazi ganhava força e a partida amigável frente aos ingleses era vista como uma forma de propaganda.

Em campo, os Three Lions ganharam por 6-3. Na imprensa britânica, o destaque não foi apenas para os golos. Os jornais criticaram a saudação nazi, referindo que Hitler nem sequer estava presente no estádio.

No ano seguinte, começava a Segunda Guerra Mundial e os países voltavam a medir forças, desta vez no campo de batalha.

O conflito mundial ditou o fim dos jogos entre as duas nações durante mais de 15 anos.

À data do seu encontro seguinte, em 1954, a Alemanha tinha sido dividida em duas. O estádio de Wembley foi palco da partida amigável frente à Alemanha Ocidental, que os ingleses venceram por 3-1.

Apesar da rivalidade, só durante o Mundial de 1966 é que as equipas se defrontaram pela primeira vez na final de uma grande competição.

A vitória conquistada pelos ingleses na final de Wembley permanece o único título mundial dos Three Lions.

A Alemanha soma quatro títulos mundiais (1954, 1974, 1990 e 2014) e três europeus (1972, 1980 e 1996).

 

Os jornais em campo

As derrotas frente à Alemanha – especialmente em 1970 e nos penáltis, em 1990 – contribuíram para alimentar a rivalidade… pelo menos do lado dos ingleses.

 ”The so-called rivalry is quite obviously an illusion, existing only in the minds of those wishful to the point of insanity – which is to say, the English” [«A suposta rivalidade é, obviamente, uma ilusão, existindo apenas nas mentes daqueles iludidos a ponto de insanidade – o que quer dizer, os ingleses»], escreveu Marina Hyde do The Guardian.

Um antagonismo que ficou mais claro do que nunca durante o Europeu de 1996.

“Achtung! Surrender – For you Fritz, ze Euro 96 Championship is over” [«Achtung! Rendam-se – Para ti, Fritz, o Euro 96 está terminado»], publicou o Daily Mirror.

As referências à Segunda Guerra Mundial foram uma constante na cobertura dos media britânicos, que procuraram incendiar ainda mais a rivalidade com os alemães.

Uma ideia deixada clara pelo editorial de Piers Morgan, do Mirror. “Last night our ambassador in Berlin handed the German government a note” [«Na noite passada, o nosso embaixador em Berlim entregou uma nota ao Governo alemão»], escreveu, parafraseando a declaração de guerra de Neville Chamberlain, em  1939. “We are at soccer war with Germany” [«Estamos em Guerra futebolística com a Alemanha»].

 

 

A violência da cobertura não despoletou reações consensuais junto do público.  “Well that's because of the nature of tabloid journalism in Britain. I'm afraid it doesn't take itself too seriously and there is a lot of fun, a lot of imagination, goes into the presentation of our pages, and it’s all part and parcel of covering football in England” [«Bem isso é devido à natureza do jornalismo tabloide na Grã-Bretanha. Receio que não se leve muito a sério e que muita diversão, muita imaginação seja utilizada na apresentação das nossas capas, e é tudo parte da cobertura futebolística em Inglaterra»], explicou Phil Walker, editor do Daily Star.

Inglaterra volta a triunfar

Mais de trinta anos depois da vitória de 1966, os ingleses voltaram a protagonizar um mediático triunfo frente aos germânicos.

Em 2001, durante a qualificação para o Mundial, os Three Lions venceram por 5 a 1, um resultado histórico. Ambas as seleções ficaram qualificadas para a prova.

Para o Daily Mail, a vitória, foi “one of those moments you will always remember… like VE Day” [«um daqueles momentos que recordará para sempre… como o VE Day»].

 

 

 

Enquanto os adeptos britânicos celebravam, os olhos dos alemães estavam em Dublin, onde a equipa holandesa tinha sido derrotada e afastada do Mundial de 2002.

“Suddenly total strangers began to embrace and the pub where I had gone for the post-match drink shook with a defiant and heart-felt rendition of ‘We're going to the World Cup without Holland!’” [«De repente, estranho começaram a abraçar-se e o pub onde tinha ido tomar uma bebida após o jogo abanou com uma desafiante e sentida versão de ‘Vamos ao Mundial sem a Holanda!»], descreveu o especialista alemão Uli Esse, num artigo publicado pelo Mirror.

Para os adeptos alemães, Inglaterra era vista como um adversário histórico, mas o verdadeiro rival era a vizinha Holanda.

Já em Inglaterra, com Escócia e País de Gales normalmente afastados das grandes competições internacionais, Alemanha era o inimigo futebolístico de eleição.

Afinal, escreve o Times, “England versus Germany has become a metaphor for our relative standing in the world” [«Inglaterra versus Alemanha tornou-se uma metáfora para a nossa posição relativa no mundo»].

Em 2010, novo Campeonato do Mundo… e mais polémica. Os ânimos aqueceram ainda antes do início da competição.

Um polvo, três leões e a vitória alemã

 “Germany is set to kick up a Reich stink at the World Cup by playing in Nazi-style black shirts” [«Alemanha prepara-se para ter um começo à moda do Reich no Mundial, ao vestir camisas negras ao estilo nazi» , escreveu o Daily Star, referindo-se ao novo equipamento dos alemães.

Durante a competição, as duas equipas defrontaram-se, uma partida antecipada fervorosamente pelos media.

“Job done… now for the Hun” [«Trabalho feito… agora para os Hunos»], publicou o Daily Star; “Herr we go again” [«Aqui vamos novamente»], lia-se no The Sun. O tabloide inglês fez capa com “Germans terrified of 3 lions” [«Alemanha aterrorizada com “3 lions”»].

A imprensa alemã não se deixou intimidar. “England, wir schlagen Euch!” [“Inglaterra, vamos arrasar-vos!”], publicou o jornal Bild. “England erklärt uns den Fußball-Krieg”[“Inglaterra declarou guerra de futebol contra nós”], escreveu o Berliner-Kurier.

A supremacia alemã voltou a verificar-se, como aliás, fora previsto pelo polvo Paul, também ele um verdadeiro fenómeno mediático. A Alemanha venceu por 4 a 1 e Inglaterra acabou por ficar pelo caminho, um resultado que não era inesperado.

 

 

Desde o Mundial de 1966, os Three Lions raramente venceram os germânicos nas principais competições internacionais e as partidas não tiveram consequências de maior para os alemães nas provas disputadas.

A Die Mannschaft, nome pelo qual é conhecida a equipa alemã, foi também a última equipa a derrotar Inglaterra no antigo Wembley Stadium e a primeira a vencer os anfitriões no estádio renovado.

A hegemonia germânica continuou a eclipsar os rivais ingleses, transformando este conflito numa rivalidade unilateral.