A estagiária entornou o café
Um vestido azul, uma faísca, gravações secretas. Um segredo bem guardado, não a fosse a imberbe internet. No final dos anos 90, a vida íntima do homem mais poderoso da América chega à barra do tribunal.
"I did not have sexual relations with that woman" [«Não tive relações sexuais com aquela mulher»]. De punho erguido e voz tremida, Bill Clinton enfrentava o país. A 26 de janeiro de 1998, os norte-americanos viam o seu Presidente assegurar, em direto, a sua inocência. Na semana anterior, rebentara o escândalo.
A 17 de janeiro de 1998, o site Drudge Report publicou informações sobre um alegado caso amoroso entre Clinton e uma antiga estagiária na Casa Branca, Monica Lewinsky. Segundo a página online, a revista Newsweek obtivera gravações que comprovavam a relação ilícita.
O escândalo chegou à imprensa quatro dias depois, a 21 de janeiro. “Clinton Accused of Urging Aide to Lie” [«Clinton Acusado de Encorajar Funcionária a Mentir»], publicou o The Washington Post. O Presidente negou vagamente o caso, mas não foi suficiente. Era necessária uma declaração pública que não deixasse espaço para dúvidas.
A conferência de imprensa de 26 de janeiro viu o Presidente, lado a lado com a Primeira-Dama, Hillary Clinton, enfrentar as câmaras e negar as acusações de que era alvo. “I never told anybody to lie, not a single time; never. These allegations are false” [«Nunca disse a ninguém para mentir, nem uma vez; nunca. Essas alegações são falsas»].
No dia seguinte, Hillary abandonava o papel de mera figurante. “The great story here […] is this vast right-wing conspiracy that has been conspiring against my husband since the day he announced for President” [«A grande estória aqui […] é esta vasta conspiração de direita que tem estado a conspirar contra o meu marido desde o dia em que ele foi anunciado como Presidente»], afirmava a Primeira-Dama, em entrevista ao programa «Today», da NBC.
Os norte-americanos pareciam convencidos. Durante o caso Lewinsky, os índices de aprovação do Presidente perante a opinião pública chegaram mesmo a subir.
Do Arkansas para a Casa Branca
A 26 de janeiro de 1992, Bill Clinton e a sua mulher Hillary eram entrevistados para o programa «60 Minutes». Tratava-se de um dos primeiros grandes eventos mediáticos do então Governador do estado do Arkansas, que anunciara no ano anterior a sua candidatura à Casa Branca.
Uma candidatura marcada por… acusações de adultério. “Are you prepared tonight to say that you never had an extramarital affair?” [«Está preparado para afirmar, esta noite, que nunca teve um caso extraconjugal?»], perguntou o jornalista Steve Kroft.
Clinton não se comprometeu. “I'm not prepared tonight to say that any married couple should ever discuss that with anyone but themselves. […] I have acknowledged wrongdoing. I have acknowledged causing pain in my marriage” [«Não estou preparado para dizer esta noite que qualquer casal deva alguma vez discutir isso com alguém que não eles próprios […] Admiti que tive atitudes erradas. Admiti ter causado dor no meu casamento»].
A 3 de novembro de 1992, Bill Clinton tornava-se o 42.º Presidente dos Estados Unidos, sendo reeleito para o seu segundo mandato em 1996. Mas a sua vida amorosa não mais deixaria de cruzar-se com a sua carreira política.
A saga do vestido azul
A comunicação pública de Clinton, em janeiro de 1998, talvez tivesse convencido a nação, mas, na Justiça, o caso estava longe de terminar. A investigação sobre Clinton – que incluía o escândalo político-financeiro Whitewater, as controvérsias dos despedimentos ilícitos na Casa Branca e o uso indevido de ficheiros confidenciais do FBI – debruçava-se agora sobre se o Presidente teria ou não mentido perante o Tribunal sobre a natureza do seu relacionamento com Monica Lewinsky. Faltava, contudo, uma peça essencial do puzzle: o depoimento da antiga estagiária.
No final de julho, os investigadores conseguiram um acordo: em troca de um testemunho honesto, é garantida a Lewinsky a imunidade. O interrogatório dura seis horas. Para a cultura popular, fica imortalizado numa peça de vestuário: o vestido azul manchado de sémen, prova irrefutável da relação ilícita entre a estagiária e o Presidente.
Clinton não tem alternativa. A 17 de agosto, é ouvido perante um grande júri e admite ter tido relações sexuais com Monica Lewinsky. Foi a primeira vez que um Presidente em mandato falou perante um grande júri, sendo o próprio o alvo da investigação. Nessa mesma noite, Clinton decide enfrentar o país. Desta vez, Hillary não aparecia a seu lado.
“Indeed I did have a relationship with Ms. Lewinsky that was not appropriate. In fact, it was wrong” [«É verdade que tive realmente uma relação com a Senhora Lewinsky que não era apropriada. De facto, era errada»], confessou. O contraste com a sua comunicação, sete meses antes, não podia ser maior. O caso assombrou a presidência de Clinton.
O público, a imprensa e, claro, o Congresso continuaram a acompanhar avidamente o desenrolar do escândalo. “I'm having to become quite an expert in this business of asking for forgiveness” [«Fui obrigado a tornar-me um especialista nesta coisa de pedir perdão»], referiu Clinton, nesse verão de 1998.
As desculpas – e só públicas foram pelo menos uma dúzia – não foram suficientes. Em setembro, foi tornado público o relatório da investigação. A Casa Branca tremeu. A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos reuniu-se para decidir a impugnação do mandato de Clinton. As acusações? Perjúrio e obstrução à Justiça.
Clinton foi o segundo Presidente dos Estados Unidos cuja destituição foi a votos na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. O único outro líder norte-americano acusado foi Andrew Johnson, em 1868.
O país parou para escutar o veredicto. A 12 de fevereiro de 1999, Clinton foi absolvido. “I want to say again to the American people how profoundly sorry I am for what I said and did to trigger these events” [«Quero desculpar-me novamente perante os Americanos pelo que disse e fiz para despoletar estes acontecimentos»], declarou. O Presidente continuava no cargo. A América tentava seguir em frente.
O comediante norte-americano Jay Leno fez, ao longo de mais de vinte anos do programa «The Tonight Show», 4.607 piadas sobre Bill Clinton. Monica Lewinsky foi alvo de 454. O mundo da música também se inspirou no escândalo: Beyoncé faz referência a Lewinsky em “Partition”, tal como o rapper Eminem em “Rap God”, Snoop Dogg em “Bitch I Knew” e G-Ezay na música “Monica Lewinsky”.
Depois da Casa Branca
Um mês depois de Clinton ter sido absolvido, Monica Lewinsky quebrou o silêncio. A Barbara Walters, do programa «20/20», contou, pela primeira vez, a sua versão dos factos. “Sometimes I have warm feelings, sometimes I’m proud of him still and sometimes I hate his guts” [«Por vezes tenho sentimentos bons, por vezes ainda tenho orgulho nele e por vezes odeio-o»].
Os seus quinze minutos no estrelato prolongaram-se. Lewinsky deu nome a uma linha de malas, apareceu no «Saturday Night Live» e apresentou um reality-show. Depois de uma década de silêncio, voltou a aparecer no radar mediático com uma peça para a revista Vanity Fair.
“Thanks to the Drudge Report, I was also possibly the first person whose global humiliation was driven by the Internet” [«Graças ao [website] Druge Report, também fui, possivelmente, a primeira pessoa cuja humilhação global foi conduzida pela Internet»], escreveu.
Para o casal Clinton, abandonar a vida pública não foi uma opção. Hillary Clinton deu início a uma carreira política em nome próprio, tornando-se senadora de Nova Iorque, secretária de Estado e candidata presidencial às eleições norte-americanas de 2008 e 2016.
Hillary Clinton referiu-se ao escândalo na sua autobiografia Living History. “As a wife, I wanted to wring Bill's neck” [«Como mulher dele, queria torcer-lhe o pescoço»]. O casal celebrou em 2015 o seu 40.º aniversário de casamento.
Bill Clinton levou o seu mandato até ao fim e, desde então, continua a apoiar causas políticas e a desenvolver trabalho humanitário. À data da sua saída da Casa Branca, em 2001, contava com um índice de aprovação de 65 por cento, o mais elevado de qualquer presidente dos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial.
O escândalo Lewinsky, esse, manchou para sempre o seu segundo mandato. No discurso em que admitiu a sua culpa perante o país, o então Presidente defendeu que “even Presidents have private lives” [«até os Presidentes têm vidas privadas”]. A de Clinton por pouco não o afastou da Presidência.
O escândalo está representado no retrato oficial de Bill Clinton, da autoria do artista Nelson Shanks.
Do lado esquerdo da pintura pode ver-se uma sombra, metáfora que remete para o impacto do caso Lewinsky na sua presidência.