Música para os ouvidos de Putin
Num país onde Putin é omnipresente e omnipotente, apenas as redes sociais são meios de comunicação livres e isentos de influência do Kremlin. Expulsas dos media tradicionais, as Pussy Riot têm no Facebook e no Twitter os únicos meios para se expressarem de forma livre.
Em 2011, o Índice de Democracia, do Economist Intelligence Unit, considerava que a Rússia estava «num longo processo de regressão graças à mudança de um governo híbrido para um regime autoritário».
Se dúvidas existissem, março de 2012 chegou rapidamente para pôr a democracia russa em cheque: durante um concerto improvisado e não autorizado na Catedral de Cristo Salvador de Moscovo, que serviu de protesto contra a candidatura presidencial de Vladimir Putin, três membros da banda Pussy Riot foram presas e acusadas de vandalismo motivado por intolerância religiosa.
A filmagem do protesto foi posteriormente usada para criar um videoclipe. Na música cantada na Catedral, o grupo pede à Virgem Maria para retirar Putin do poder e descreve o patriarca russo, Cirilo I, como alguém que é devoto de Putin, ao invés de ser um homem de Deus.
São vários os episódios de protesto e reprovação das Pussy Riot em relação a Putin e à sua hegemonia. Contudo, foi este o momento que deu a conhecer as Pussy Riot à comunidade internacional. Na sequência deste protesto Maria Alyokhina e Nadezhda Tolokonnikova, foram presas pelas autoridades russas sob a acusação de vandalismo.
No início, ambas negaram fazer parte do grupo e iniciaram uma greve de fome por terem sido detidas e separadas de seus filhos até o início do julgamento, em abril. No entanto, antes do julgamento, Ekaterina Samoutsevitch, outro alegado membro dos Pussy Riot, foi presa e indiciada. A 17 de agosto de 2012, as três foram condenadas por vandalismo motivado por ódio religioso e receberam penas de dois anos de prisão.
«Em última análise, penso que o nosso julgamento foi importante porque mostrou a verdadeira face do sistema de Putin», adiantou Tolokonnikova. «Este sistema proferiu uma sentença contra si mesmo, ao condenar-nos a dois anos de prisão sem que tivéssemos cometido crime algum. Isto certamente me alegra», frisou.
Outros elementos do grupo, procurados pela polícia Russa, fugiram do país para evitarem as perseguições e possíveis atos de vingança.
Mas quem são as Pussy Riot? São um grupo russo de punk rock feminista que se pauta pelas suas intervenções polémicas. A grande maioria dos seus trabalhos são de provocação política e incidem sobre temas como o estatuto das mulheres ou os direitos dos homossexuais na Rússia. Mais recentemente, a campanha do primeiro-ministro Vladimir Putin para a presidência da Rússia foi um dos alvos deste grupo ativista. Um grupo extravagante e de contrapoder que se destaca pelas cores das suas roupas e pelo uso de balaclavas – gorro que esconde a cara – em todas as suas atuações. O anonimato é reforçado com o recurso a pseudónimos durante as entrevistas.
Sobre este caso Vladimir Putin disse à NTV (HTB – canal de televisão russo), num documentário por ocasião do seu 60.º aniversário, que as Pussy Riot «tiveram o que mereceram» e classificou o protesto como «um ato de um grupo sexista para ferir sentimentos religiosos».
Vladimir Putin disse à NTV (HTB – canal de televisão russo), num documentário por ocasião do seu 60.º aniversário, que as Pussy Riot «tiveram o que mereceram» e classificou o protesto como «um ato de um grupo sexista para ferir sentimentos religiosos».
A lei de amnistia assinada pelo Presidente da Rússia Vladimir Putin para comemorar o 20.º aniversário da Constituição, que levou à libertação das duas ativistas da banda punk Pussy Riot, foi denunciada pelas próprias como uma «profanidade», como uma «operação de relações públicas, para limpar a imagem» destinada a acalmar a opinião pública internacional antes da realização dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi (Rússia). Por isso «se tivesse tido escolha, e pudesse recusar a amnistia, era o que tinha feito», declarou Maria Alyokhina.
Após a libertação, as Pussy Riot afirmaram que «no que diz respeito ao Presidente Vladimir Putin, não mudámos de posição: a nossa intenção é continuar a protestar até ele cair do poder. Se não nos tivessem metido na cadeia, não teríamos deixado de fazer o que fazemos». Numa entrevista dada ao canal britânico Channel 4, as ativistas defendem que tudo está controlado pelo Kremlin, inclusive os meios de comunicação social. Deste modo, ambas usam o Facebook e o Twitter para se exprimirem livremente, pois consideram que é o único espaço livre na Rússia.
À semelhança do relatório da Freedom House de 2015 que declara a Rússia como um país sem liberdade de imprensa, o ranking de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras, a Rússia aparece em 148° lugar, de um total de 179. Segundo o diretor desta organização, Christian Mihr, a tensão causada pelas leis de restrição e monotorização dos meios de comunicação leva os jornalistas a autocensurarem-se. Desde 2012, início do terceiro mandato de Putin, assiste-se a um agravamento destas leis sendo que agora o maior alvo de censura seja a internet.
Não obstante, existe ainda outro sinal de alerta na Rússia, no que toca à liberdade da imprensa. Têm-se registado muitos ataques a jornalistas e repórteres que tentam, de algum modo, contornar ou contrariar as regras impostas. Desde 2000, foram registadas cerca de 30 mortes de repórteres devido ataques, direta ou indiretamente, ligados ao Kremlin.
A Duma - câmara baixa do Parlamento russo – aprovou, em 2012, uma lei sobre traição da pátria e espionagem. Por traição entende-se tudo aquilo que possa pôr em causa a segurança do país. Para os jornalistas isso significa mais restrições no momento em que abordarem temas mais sensíveis. Contudo as restrições foram mais longe: foi proibido o uso de palavrões na imprensa, um impedimento que visa jornalistas, mas que também abrange entrevistados e comentários de leitores.
Além disso, existe a proibição de «propaganda a favor de relações sexuais não tradicionais na presença de menores de idade». Muito embora possa parecer uma norma sensata, na prática, esta regra é contra material jornalístico que fale sobre homossexuais. As multas atingem até 1 milhão de rublos, cerca de 23 mil euros, e os meios de comunicação podem ser fechados durante 90 dias.
As Pussy Riot, entre outras causas, principalmente depois de terem sido libertadas, dedicaram-se a combater as restrições de liberdade de expressão pelo mundo, afirmando que “what we do is political art”.
Das celas das prisões para a passadeira vermelha as ativistas têm visto a exposição pública como uma oportunidade para promover a campanha anti-Putin.
Talvez num dos seus momentos mais mediáticos, chegaram mesmo a aparecer num episódio da série televisa House of Cards onde mais uma vez mostram a sua indignação contra o Kremlin.
Apesar dos esforços, todos estes acontecimentos parecem inócuos aos olhos, e ouvidos, de Putin que continua a sedimentar a sua hegemonia na mente e nos corações dos russos.