Jornalismo, Séc. XIX

Os jornais desempenham um papel revolucionário na sociedade portuguesa do Séc. XIX. Numa época em que a Comunicação formal está restrita à Imprensa, o papel do Jornalismo está condicionado pela elevada taxa de analfabetismo e pelo baixo poder de compra da população

O Jornalismo oitocentista, marcado pelos tempos da Revolução Francesa até à queda definitiva de Napoleão, em 1814, começou pela chamada «imprensa de opinião».  As edições contavam com grandes nomes da literatura como Eça de Queiroz ou Ramalho Ortigão.

No entanto, importância da imprensa foi notada num artigo, de 1841, da Revista Universal Lisbonense que registava a seguinte observação: «A imprensa cinge o mundo. Dantes reinava a espada – hoje governa a pena (…) A antiga civilização estava nas guerras, a nova está na imprensa».

 

 

Contudo, no início do século XIX, em plena Idade das Luzes, ainda existia Inquisição em Portugal escondida sob a designação Santo Ofício. Este fator combinado com o atraso industrial atrasaram a expansão da imprensa portuguesa.

No campo da censura destacavam-se os decretos do intendente da polícia Pina Manique, que, em 1803, reforçou a censura contra todas as publicações, nacionais e estrangeiras.

Ainda assim começavam a notar-se, em várias frentes, sinais de vontade de desenvolver o jornalismo em Portugal.

 

O aparecimento tímido dos diários

A partir de 14 de junho de 1809, a Gazeta de Lisboa, até então de periodicidade trissemanal, passou a diário.

A periodicidade diária da Gazeta e do Diário Lisbonense, entre outros, indicia que em Portugal, apesar do crónico atraso do país, já existiam condições para o aparecimento de jornais diários, embora mais de um século depois deles terem surgido noutros pontos da Europa.

 

 

O jornalismo diário aprofundou o interesse pelo que havia de novo no país e no mundo, onde novas ideias se propagavam, sentindo-se a  necessidade de informações.

A expulsão definitiva dos invasores franceses de Portugal, com o auxílio de Inglaterra, não levou à liberdade de imprensa. Pelo contrário. Anacronicamente, as autoridades reforçaram os dispositivos da censura para impedirem a propagação das ideias liberais, contrárias ao Absolutismo Régio. Entre 1810 e 1820, foram poucos os jornais que conseguiram manter a periodicidade.

 

Depois da revolução

Após a Revolução Liberal de 1820 foram preparados princípios que regulamentaram a afirmação da corrente liberal em Portugal. No art.8º, deste conjunto de cláusulas, versava o princípio da liberdade da comunicação e expressão.

A 12 de julho de 1821 foi aprovada a primeira lei de liberdade de imprensa que previa mecanismos jurídicos para condenar os abusos. Posteriormente, com a publicação da Constituição Liberal de 1822 reforçou-se o direito à liberdade de expressão e de imprensa.

Todavia, sem conseguir acompanhar o ritmo da Europa industrializada, Portugal continuava a produzir jornais de forma muito artesanal.

O espírito liberal expandiu-se para os territórios ultramarinos. Em Goa apareceu a Gazeta de Goa, em Macau surgiu a Abelha da China e no Brasil surgiram vários periódicos de cariz político que impulsionavam a independência do país.

 

 

Em 1823, o golpe absolutista protagonizado por D. Miguel I, decretou o regresso da censura e o fim de muitos jornais. No entanto vários liberais exilados procuraram introduzir publicações clandestinas em Portugal, animando a causa liberal.

Já em 1826, com D. Maria II à frente dos destinos do país, foi aprovada a Carta Constitucional que parecia assegurar a liberdade de imprensa, embora a censura prévia tivesse continuado a existir.

Não obstante, a promulgação da Carta Constitucional criou condições para a aceleração do ritmo de aparecimento de novos periódicos.

 

 

D. Miguel I, à época exilado, regressou a Portugal para casar com a sobrinha D. Maria II e não hesitou, ao contrário do que prometera, em instalar novamente um regime absolutista. Para a imprensa isso significou o regresso da censura e o impedimento de criação de novas publicações.

Somente em 1834, quando os liberalistas venceram os absolutistas, é que o Jornalismo em Portugal voltou a viver momentos de aparente liberdade.

O desenvolvimento da imprensa foi progressivo até 1840, ano em que foi publicada uma lei que restringiu o exercício da liberdade de imprensa e, começaram a ser denunciadas perseguições aos jornais e jornalistas.

Essa situação manteve-se até 1851, apesar de não ter impedido por completo a edição de jornais oposicionistas. De acordo com José Manuel Tengarrinha é nesta altura que «começam a aparecer as primeiras reportagens em Portugal».

Dando conta da repressão que se abatia sobre a imprensa, o jornal A Revolução de Setembro publicou a seguinte notícia:

«No Porto, na segunda capital do reino, às barbas das autoridades, que são dois condes de nova data, é onde a liberdade de escrever se desacata sob a administração que tem um só pensamento e uma só vontade!».

 

 

época de agitação política e...jornalística

Em época de grande agitação política foram muitos os jornais criados em virtude desta causa. OProcurador dos Povos, A Lança, O Atleta e A Revolução de Setembro são exemplos dessas publicações. Devido à falta de assinantes, algumas publicações tiveram uma existência efémera, outras chegaram a ter tiragens com mais de dois mil exemplares.

Deste modo, a imprensa configurava um novo espaço público, mais simbólico do que material e entendido, essencialmente, como arena pública.

Joel Serrão considera que «A imprensa da época é, em primeiro lugar política, em segundo lugar, literária e só acidentalmente noticiosa dos acontecimentos da vida quotidiana».

Na segunda metade deste século fizeram-se sentir os primeiros sinais do frenetismo da Revolução Industrial. Estava na altura de fazer experimentações.

As luzes da industrialização, aliadas à sedimentação da liberdade de imprensa, fizeram Portugal florescer com novas publicações diárias. O tom opinativo dos artigos começou a dar lugar ao relato de notícias do quotidiano. O jornalismo, ou melhor, os jornais estavam mais acessíveis e mais perto da população portuguesa.

 

 

Tengarrinha afirma que «só entre 1865 e 1885 é que se estabeleceram em Portugal as condições propícias à transformação industrial da imprensa», dando ênfase à necessidade de desenvolver as técnicas de escrita jornalística.

Eça de Queiroz, conhecido por projetar um jornalismo do futuro, escreveu na primeira edição do jornal Distrito de Évora, a 6 de janeiro de 1867, um artigo sobre o que entendia que deveria ser o Jornalismo em Portugal:

«O jornalismo na sua justa e verdadeira atitude, seria a intervenção permanente do país na sua própria vida política, moral, religiosa, literária e industrial. […] É o grande dever do jornalismo fazer conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos e as garantias da sua segurança, estar atento às atitudes que toma a política estrangeira, protestar com justa violência contra os atos culposos, frouxos, nocivos, velar pelo poder interior da pátria, pela grandeza moral, intelectual e material em presença das outras nações, pelo progresso que fazem os espíritos, pela conservação da justiça, pelo direito, da família, do trabalho, pelo melhoramento das classes infelizes».

O aparecimento do jornalismo noticioso

O aparecimento do Diário de Notícias, em 1864, criou uma nova dinâmica no panorama jornalístico português. Tratava-se de um jornal diário, barato e que relatava cenas do quotidiano.

Era um jornal diferente dos restantes jornais portugueses de então, nos conteúdos noticiosos, no estilo claro, conciso e simples) na forma, nomeadamente no aspeto com paginação a quatro colunas, na dimensão sensivelmente semelhante aos tabloides da época, e ainda no preço – dez reis por exemplar, menor ainda quando vendido por assinatura.

 

 

Esta renovada e contemporânea perspetiva do jornalismo noticioso e generalista propunha-se a ser neutro, independente e dirigido a toda a população. Na primeira página do primeiro número anunciavam:

«O Diário de Notícias - o seu título o está dizendo - será uma compilação cuidadosa de todas as notícias do dia, de todos os países, e de todas as especialidades, um noticiário universal. Em estilo fácil, e com a maior concisão, informará o leitor de todas as ocorrências interessantes, assim de Portugal como das demais nações, reproduzindo à última hora todas as novidades políticas, científicas, artísticas, literárias, comerciais, industriais, agrícolas, criminais e estatísticas, etc. Eliminando o artigo de fundo, não discute política, nem sustenta polémica».

 

Em 1870, três anos depois do seu manifesto no Distrito de Évora, Eça de Queiroz, aceitou um desafio proposto pelo diretor do Diário de Notícias, Eduardo Coelho, e escreveu uma série de quatro reportagens para este jornal relatando a inauguração da rota do Canal de Suez. Do acontecimento à publicação da reportagem passaram dois meses, mas nem isso demoveu o interesse dos leitores na estória contada ao pormenor pelo «enviado especial».

«Port Said, cheio de gente, coberto de bandeiras, todo ruidoso dos tiros dos canhões e dos urras da marinhagem, tendo no seu porto as esquadras da Europa, cheio de flâmulas, de arcos, de flores, de músicas, de cafés improvisados, de barracas de acampamento, de uniformes, tinha um belo e poderoso aspeto de vida. A baía de Port Said estava triunfante. Era o primeiro dia das festas».

Depois do Diário de Notícias, a intenção comercial e a ambição informativa da imprensa alastraram-se. O público estava ávido de notícias relevantes e interessantes, como prova a fundação de vários jornais dentro da mesma linha editorial noticiosa, como oDiário Popular (Lisboa, 1866) e o Jornal de Notícias (de 1888), do Porto.

A imprensa da época contou, posteriormente, com um importante auxílio: o telégrafo. Surgiram, então, as agências noticiosas. A Agência Havas, a Reuters, a Wolff, a Agence France-Presse e a Agenzia Stefani foram criadas no século XIX.

O Jornalismo português nasceu sob a influência europeia, em particular da França. As guerras napoleónicas e o liberalismo ditaram a abertura ao modelo britânico de Jornalismo, assente no princípio da liberdade de imprensa.