Pêro Vaz de Caminha
Protojornalista por excelência, o escrivão Pêro Vaz de Caminha descreve a D. Manuel I a chegada a um novo território. O relato do escrivão torna-se o primeiro documento escrito da História do Brasil
«Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pêro Vaz de Caminha».
Assim terminava a carta enviada ao rei D. Manuel I, testemunho de uma descoberta que mudou verdadeiramente o rumo da História.
Era comunicada ao monarca a existência de territórios até então desconhecidos, batizados «Terra de Vera Cruz» - nem mais, nem menos do que o atual Brasil.
A missiva foi assinada por Pêro Vaz Caminha, escrivão que acompanhava a armada do navegador Pedro Álvares Cabral.
O documento informativo, celebrizado como «a carta de Pêro Vaz de Caminha», relata a descoberta do novo território e descreve os costumes dos indígenas.
Pela pena de Caminha, o rei D. Manuel acompanhou os momentos centrais da aventura da armada de Álvares Cabral.
O Brasil em palavras
Com a incumbência de transmitir ao monarca todas as ocorrências, o escrivão narrou a descoberta do território com tal admiração e riqueza de detalhe, que chegou a pedir perdão ao rei «se a algum pouco alonguei».
A carta imortalizou o nome de Caminha nos Descobrimentos Portugueses, sendo considerada o primeiro documento escrito da História do Brasil.
Mas o destino final da armada – e de Pêro Vaz de Caminha – não eram as terras de Vera Cruz.
As naus dirigiam-se para a Índia, onde Caminha tinha sido nomeado escrivão da Feitoria de Calecute, um importante e valioso cargo no Oriente.
Tinha, na altura, 50 anos.
À época, cabia aos escrivães redigir os documentos que relatavam as ocorrências de relevo, informando o Rei sobre os acontecimentos do seu vasto império.
O seu cargo revelava prestígio e confiança junto da Corte portuguesa, resultado de várias décadas ao serviço da Casa Real e dos reis D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I.
Em 1476, Caminha ocupara o cargo de mestre da balança da Casa da Moeda, julga-se que herdado do seu pai, o também escrivão Vasco Fernandes de Caminha.
No ano anterior, terá participado, à semelhança de muitos outros jovens, na Batalha de Toro, um conflito contra Castela onde vários portugueses perderam a vida.
Teria, na altura, cerca de 25 anos, acreditando-se que tenha nascido por volta de 1450, no Porto.
A sua formação cultural era sólida para a época, com uma escrita que revelava erudição e conhecimento, características reconhecidas pela Casa Real através da nomeação para diversos cargos públicos.
Em 1497, enquanto Vereador, assumiu a responsabilidade de redigir os Capítulos da Câmara Municipal do Porto a serem apresentados às Cortes de Lisboa.
Três anos depois, chegava a oportunidade de viajar com a armada de Pedro Álvares Cabral.
Embora se trate de um dos mais importantes documentos dos Descobrimentos Portugueses, a carta de Pêro Vaz de Caminha permaneceu desconhecida do público durante mais de dois séculos.
Encontrada no século XVIII, na Torre do Tombo, foi publicada pela primeira vez no século XIX.
O último parágrafo da missiva assume, aos olhos da sociedade atual, contornos curiosos.
«A Ela [Vossa Alteza] peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d'Ela receberei em muita mercê».
Caminha apelava ao rei que perdoasse o seu genro, detido em São Tomé por assalto à mão armada.
Jorge de Osório era marido de Isabel de Caminha, que terá sido a única filha do escrivão com a sua esposa, Catarina Vaz.
D. Manuel I acedeu ao pedido, mas Pêro Vaz de Caminha não o chegou a saber.
Morreu num ataque à Feitoria de Calecute, em dezembro de 1500.
Mais de quinhentos anos depois, permanecem os seus relatos – pejados de assombro e admiração, é certo, mas fiéis e informativos – dos novos mundos que os portugueses deram ao mundo.
Jornalismo do «vi claramente visto»
Pêro Vaz de Caminha personifica a figura dos «narradores do pré-jornalismo», sinalizando os primórdios de uma atividade de cariz informativo que iria culminar, séculos depois, no nascimento do jornalismo moderno.
Fernão Lopes, Fernão Mendes Pinto, Padre António Vieira, Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida, Ferreira de Castro, narradores do «vi claramente visto», são outros dos nomes que, ao longo dos séculos, se destacaram pelo seu contributo para o processo evolutivo do jornalismo.
Estes «protojornalistas», muitos ainda carecendo das técnicas e métodos hoje associados à prática do jornalismo, possuem algo em comum: a missão de informar.
Uma missão que constitui a base e o dever maior da prática jornalística.