Raphael Bordallo Pinheiro
Destaca-se, entre outras atividades, como um homem da Imprensa. Durante cerca de 35 anos (de 1870 a 1905) é a alma de todos os periódicos que dirige quer em Portugal, quer nos três anos em que trabalha no Brasil
As publicações de Bordallo
Semanalmente, durante as décadas referidas, as suas publicações debruçaram-se sobre a sociedade portuguesa nos mais diversos quadrantes, de uma forma sistemática e mordaz.
Raphael Augusto Prostes Bordallo Pinheiro, filho de Manuel Maria Bordallo Pinheiro e D. Maria Augusta do Ó Carvalho Prostes, nasceu em Lisboa a 21 de março de 1846, no seio de uma família de artistas.
Viveu numa época caracterizada pela crise económica e política, contudo enquanto homem de imprensa soube manter uma indiscutível independência face aos poderes instituídos, regulando-se sempre pela isenção de pensamento e praticando o livre exercício de opinião. Esta atitude conquistou um apoio público tal que, não obstante as tentativas, a censura nunca conseguiu silenciá-lo.
Assim, todas as quintas-feiras, dia habitual da saída das publicações de Raphael Bordallo Pinheiro, o leitor e observador pôde contar com episódios da sociedade portuguesa casados com a crítica a que se juntava o divertimento.
Estreou-se em 1870 com três publicações: O Calcanhar de Aquiles, A Berlinda e O Binóculo, este último, um semanário de caricaturas sobre espetáculos e literatura, talvez o primeiro jornal, em Portugal, a ser vendido dentro dos teatros.
O Binóculo apresentava-se da seguinte forma: «O Binóculo apresenta, não comenta. Analisa, não sintetiza. Mostra os tipos. E de tipos é o nosso século. Arquétipo ou protótipo, pouco importa. O tipo tem hoje a maior importância. O nosso século só admira tipos.»
E mais adiante, acrescentava: «É o binóculo o instrumento de que o leitor, espetador ou amador se serve para ver mais de perto cenas que facilmente lhe passariam despercebidas a olho nu. Mostra o bom e o mau: e está nisso a justificação do seu título. Quem tiver olhos, que veja; quem não quiser ver, que durma.»
E desta forma Bordallo ocupou-se, nos três meses que durou a publicação, do mundo teatral e da ópera que animaram os serões das noites lisboetas.
Porém, foi com A Lanterna Mágica, em 1875, que Raphael Bordallo Pinheiro inaugurou a época da atividade regular enquanto jornalista. Antes disso tinha feito surgir e desaparecer inúmeras publicações, como são exemplos a Berlinda e O Calcanhar de Aquiles.
A sua passagem pelo Ilustrated London News foi também uma atividade que desenvolveu antes d’A Lanterna Mágica.
O jornal propunha-se tratar dos «acontecimentos da semana», ou melhor, dos fait-divers do quotidiano lisboeta. Por isto, todos os sábados, por 60 réis, o público podia ler os embaraços e desembaraços da capital portuguesa.
«Revista Ilustrada dos Acontecimentos da Semana por Gil Vaz», podia ler-se no subtítulo d’A Lanterna Mágica. Quanto a Gil Vaz, era o pseudónimo coletivo com que se ocultavam Guilherme de Azevedo e Guerra Junqueiro.
Este jornal finda quando Raphael Bordallo Pinheiro partiu para o Brasil, revelando-se assim a preponderância deste na organização do jornal.
Criatividade além Atlântico
No Brasil, antes d’O Besouro houve o Psit!!!
No hebdomadário cómico Psit!!! , há semelhança do que veio a acontecer n’O Besouro, foi satirizado o cenário político e social do Brasil nos fins do século XIX. Durou apenas dois meses, de setembro a novembro de 1877, e foi, seguidamente, substituído pelo O Besouro.
Bordallo, n’O Besouro despertou a atenção, especialmente dos políticos que se sentiram ridicularizados com as representações caricaturais que ornamentavam as páginas do jornal O Besouro.
Este apresentava-se com a seguinte introdução:
«Viva a alegria! Viva a caricatura! Temos arrastado por entre vós uma existência de bicho-da-seda. Ora por cima ora por baixo da folha. Furado o primeiro casulo por falta de água quente para matar o bicho, saiu a borboleta que nasceu e morreu efémera como o nome Psit. Daí a semente que produziu o besouro. Metamorfoseados hoje no corpulento Besouro, com os pulmões bem fornecidos de ar, cravaremos de novo e com segurança a nossa velha bandeira Viveremos muito e viveremos bem se tivermos a fortuna de lhes agradar e de os alegrar. (…) O Besouro volteará sempre ao redor da luz brilhante de todos os acontecimentos e de todos os casos, sem se queimar.»
Bordallo, no Brasil, trocou momentos de tensão com outro caricaturista, Angelo Agostini, italiano também radicado no país.
A disputa, levada para as páginas d‘O Besouro, ganhou relevo e Agostini obteve o favoritismo do público. Após duas tentativas de assassinato Raphael Bordallo Pinheiro voltou para Lisboa, em 1879, encerrando esta publicação.
De volta a Portugal
De volta a Portugal, Raphael Bordallo Pinheiro fundou O António Maria, um jornal de humor político, que conheceu duas séries: a primeira, entre junho de 1879 e janeiro de 1885; a segunda, entre março de 1891 e julho de 1898.
O António Maria assumiu-se como uma crónica sobre a sociedade portuguesa no último quartel do século XIX e, consequentemente, uma fonte de informação inesgotável.
O rotativismo que caracterizou o fim da monarquia constitucional, em Portugal, foi fortemente escrutinado nesta publicação.
Com uma forte preocupação estética no grafismo O António Maria destinou-se a ser colecionado, como se podia verificar através da numeração contínua das suas páginas ao longo de cada ano e da referência em rodapé ao número do «Volume» ou «Ano».
Três meses após a suspensão d’O António Maria nasceu, na mesma linha editorial ainda que com um grafismo menos elaborado, o Ponto nos ii.
Os mesmos 60 réis das outras publicações permitiam o acesso a oito páginas de sátira e humor acerca do estado do país. O humor politico além de destacar o rotativismo entre «progressistas» e regeneradores» realçava as peripécias da política colonial.
MasPontos nos ii vai além da ação constante da caricatura política. Nas suas páginas também houve espaço para a notícia, a crónica e até a reportagem dos mais variados eventos: a oferta cultural que animava Lisboa e Porto; a atividade literária; o glamour das festas e dos bailes e os desastres e os crimes mais chocantes.
O cariz republicano da publicação levou-a a pagar uma preço muito alto. A suspensão do jornal foi ditada depois de manifestar «Gloria aos vencidos!», dirigindo-se à revolta republicana de 31 de janeiro de 1891.
A Paródia
Além de ter fundado A Paródia, Raphael Bordallo Pinheiro foi também seu diretor, até Janeiro de 1905.
Em 1903, com a mudança do título para Paródia: comédia portuguesa, fruto da fusão d’A Paródia com a revista Comédia Portuguesa, dirigida por Julião Machado e Marcelino Mesquita, este transitou para o novo jornal como diretor literário. Bordallo Pinheiro apareceu referenciado, pela primeira vez, como diretor artístico.
A Paródia definia-se, num editorial assinado por Bordallo e Manuel Gustavo, como «a caricatura ao serviço da grande tristeza pública», «a dança da Bica no cemitério dos prazeres». Esta publicação foi além da sátira política - «somos nós todos»- pretendeu ser o retrato social português.
Para o sucesso d’A Paródiamuito contribuiu a qualidade da ilustração e o riso que os desenhos de Bordallo provocaram nos seus leitores. O artista atingiu aqui o auge do seu trabalho artístico como caricaturista.
O Zé Povinho
Zé Povinho é uma personagem satírica de crítica social, criada por Raphael Bordallo Pinheiro e adotada como personificação nacional portuguesa.
Surgiu pela primeira vez n’A Lanterna Mágica em 1875 e marcou presença em todas as publicações de Raphael Bordallo Pinheiro assim como em todas as suas outras atividades. O Zé Povinho tornou-se uma personagem icónica e intemporal para Portugal e as suas gentes.
Raphael Bordallo Pinheiro – o jornalista, desenhador, aguarelista, ilustrador, decorador, caricaturista político e social, ceramista e professor – morreu aos 58 anos, a 23 de janeiro de 1905.
O seu nome está intimamente ligado ao desenvolvimento da caricatura e da sátira jornalística em Portugal, da qual foi um pioneiro e grande impulsionador, imprimindo-lhe um estilo próprio e uma qualidade nunca antes atingida.