O «Grande Jornalzinho» da Rua dos Calafates
Pedro Foyos faz justiça ao papel pioneiro que o Diário de Notícias desempenhou na nossa indústria dos Media ao valorizar o noticiário e ao criar um novo modelo de distribuição.
A notícia de última hora
Ao final da tarde de 1 de fevereiro de 1908, chegam à redação do Diário de Notícias relatos de um acontecimento que muda a História do país.
O Rei de Portugal tinha sido assassinado.
Ali, «mesmo ao lado» da redação do diário generalista, o monarca e o Príncipe Real D. Luís Filipe sucumbe perante os tiros de carabina.
A notícia causa o pânico no Diário de Notícias.
A primeira página que se antecipou à manchete
A capa da edição do dia seguinte já está fechada.
Sobra um canto na parte inferior da primeira página, dedicado a notícias de «Última Hora», mas indigno de um acontecimento de tal importância.
Refazer a página é inviável; o procedimento demora horas e atrasa a publicação do periódico, no momento em que o país mais anseia por novidades.
Um atraso de meros minutos pode pôr em causa metade da edição, pois os exemplares são transportados por via-férrea para as principais cidades do país.
Surge a ideia de publicar um «Supplemento»
Em situações extraordinariamente relevantes, o Diário de Notícias já tinha recorrido a este método, disponibilizando uma folha solta para informar os seus leitores.
A ideia acaba por ser posta de lado, por ser impossível imprimir, em simultâneo, a edição do dia e o «Supplemento».
Além disso, três horas volvidas sobre o regicídio, ainda não existe informação suficiente para preencher uma folha.
Os jornalistas do Diário de Notícias anteveem uma longa noite na redação.
Entre os relatos fantasiosos e os testemunhos emocionados da tragédia vivida horas antes no Terreiro do Paço, os repórteres correm as ruas da cidade em busca de informação credível.
Na febril atmosfera da redação, o redator Luiz Trigueiros agrupa os parcos factos: o Rei e o Príncipe-herdeiro morrem; a viúva Dona Amélia e o filho D. Manuel estão vivos e os autores do atentado, «possivelmente apenas dois», são abatidos no local e depositados no necrotério.
As horas avançam e urge tomar uma decisão.
Opta-se por um procedimento inédito. O texto em chumbo da capa, distribuído por oito colunas, desce em bloco.
As linhas finais, ao fundo da página, são cortadas às cegas. Na tentativa de não se truncar grosseiramente as notícias, algumas acabam por ser excluídas.
Abre-se, assim, espaço, no topo da primeira página, para um título com três linhas, seguido de uma prosa introdutória. Todo o restante alinhamento permanece inalterado
O «Gravissimo attentado contra a Familia Real» divide, assim, a página com a habitual secção «Festas e diversões do dia» e com «Concurso de pobreza»
A informação sobre o regicídio encontra-se limitada exclusivamente ao título.
O texto, que se pensa ser da autoria do «redactor principal», Brito Aranha, é de natureza editorial, com um início peculiar: «À população de Lisboa não vamos certamente dar uma noticia que, na sua parte essencial, a surprohenda», pode ler-se.
A missão do Diário de Notícias é clara: «narrar, sem os commentarmos, os factos hontem ocorridos»
O leitor é encaminhado para a página 2, onde encontra «informação relativa ao attentado»: a narrativa possível, num rol de contradições e especulações.
Escolhida a primeira página; a redação não descansa. Afinal, da tipografia vêm rumores que a impressora do rival O Século trabalha a um ritmo nunca antes visto….
O novo rei
A 3 de fevereiro, dois dias depois do regicídio, é o novo Rei o protagonista da primeira página.
A D. Manuel II, o «joven principe que ainda ha dois dias ninguem supunha estar tão proximo a assentar-se no throno real», o Diário de Notícias deseja que seja tão «venturoso» como o primeiro monarca com esse nome.
A capa inclui imagens de arquivo, mostrando, além do novo Rei, o local do atentado, o patriarca resignatário de Lisboa e o conselheiro Ferreira do Amaral, a quem cabe formar o novo Ministério.
A cobertura de um acontecimento de tal importância e imprevisibilidade deixa a descoberto as dificuldades gráficas que, por esta altura, ainda se apresentam a um jornal diário.
Só três dias depois do atentado, a 4 de fevereiro, é que surgem fotografias, com destaque para os cadáveres dos assassinos e de outras vítimas.
Perante a inexistência de registos fotográficos do momento do assassinato, os ilustradores estrangeiros apostam em reconstituições, mais ou menos fantasiosas, que são publicadas nas páginas de diversas revistas mundiais.
Apesar da questionável interpretação dos factos, muitas são reproduzidas nos meios nacionais, dando cor a um dos acontecimentos mais sangrentos da história da Família Real Portuguesa.
A notícia que perdurou
Durante 20 dias, o regicídio está nas páginas do Diário de Notícias.
Os funerais de D. Carlos e D. Luís Filipe, aos quais assistem delegações estrangeiras, são tema de várias páginas, ilustradas por desenhos.
Começa a escrever-se uma estória que culmina dois anos depois, com a implantação da República em Portugal.
Para a história do Diário de Notícias fica aquele dia 1 de fevereiro, em que a notícia que não pode deixar de ser dada chega já depois do fecho da edição.