Guerra Civil de Espanha

As bancas de jornais como trincheiras

A Guerra Civil de Espanha dividiu irmãos da mesma terra em várias fações. A Imprensa contava, de acordo com a sua barricada, o desenrolar dos acontecimentos. Este conflito serviu também de incubadora para a posterior massificação da rádio.

O estalar da tensão civil

A 18 de julho de 1936, o Diário de Lisboa noticiava o golpe de Estado levado a cabo em Marrocos, fazendo referência à «grave situação em Espanha». A revolta era indicativa do clima de tensão do país. De um lado, encontrava-se o movimento nacionalista liderado pelo General Francisco Franco; do outro, a Frente Popular que defendia o Governo Republicano e pretendia eliminar a influência fascista no país.

A 18 de julho de 1936 o Diário de Lisboa o golpe de Estado que antecedeu a Guerra Civil Espanhola.

 

Os jornais portugueses começaram a responder ao agudizar dos conflitos no país vizinho com o envio de repórteres. Norberto Lopes, chefe de redação do Diário de Lisboa, foi o primeiro a partir para Espanha, mas uma greve ferroviária atrasou a sua chegada a Madrid.

«A greve geral ferroviária que nos retém é um sintoma concludente de que a situação não se apresenta inteiramente favorável ao Governo», escreveu, na sua primeira crónica. O jornalista português, nascido em 1900, começara a sua carreira n’O Século e desenvolvia a sua atividade jornalística na redação do Diário de Lisboa.

Na estação de comboios, o repórter notou o interesse da população espanhola na imprensa lusa. «Formam-se grupos que leem avidamente os jornais portugueses, pois os espanhóis limitam-se a publicar notas oficiosas fornecidas pelo Governo e pelas autoridades militares de Madrid», refere o Diário de Lisboa, a 20 de julho de 1936.

Nas primeiras semanas da guerra, os jornais nacionais publicaram segundas e terceiras edições, com milhares de cópias lidas além-fronteiras.

A batalha dos ABC

Por terras espanholas, o conflito no campo de batalha começava a contagiar os media. A 25 de julho de 1936, a edição de Sevilha do ABC manifestava o seu apoio aos franquistas, que combatiam pela "victoria de los que luchan por una España nueva."

 

 

A 25 de julho de 1936, a edição de Sevilha do ABC manifestava o seu apoio aos franquistas, que combatiam pela "victoria de los que luchan por una España nueva."

Por seu lado, a edição de Madrid do periódico exultava "¡Viva la República!." A edição de pendor republicano, motivada pelas novas imposições do Governo na redação e no critério editorial, surpreendeu os leitores por se tratar de uma mudança brusca da histórica orientação monárquica do jornal.

O ABC de Madrid tinha sido tomado pelas forças da República.

Do Ministério da Governação chegou o alerta: a redação devia abandonar o edifício, pois o Governo não se responsabilizava pelas suas vidas. Alfonso Rodríguez Santamaría, subdiretor do ABC e presidente da Asociación de la Prensa de Madrid, foi fuzilado pela patrulha das Milicias de la Prensa.

 

 

Os conflitos entre nacionalistas e republicanos iam subindo de tom nas ruas e nos jornais. "¡ No pasarán!" ficou, até hoje, imortalizado em Espanha como um lema de resistência.

 

 

Ambos os lados da barricada procuravam controlar as informações divulgadas ao público, notava Norberto Lopes. «Se a censura de Madrid é rigorosa e deixa apenas filtrar para o estrangeiro as notícias que lhe convém, a censura dos revoltosos não é menos apertada e opõe-se, sobretudo, a transmissão de notícias que possam prejudicar as operações militares, o que até certo ponto se compreende», escrevia, a 3 de agosto de 1936. O jornalista português foi um dos fundadores, juntamente com Mário Neves, do vespertino A Capital, que dirigiu até 1970. Faleceu em 1989, sendo considerado um dos grandes nomes do jornalismo português do século XX.

 

Mesmo na fase inicial do conflito, Salazar intuía já a importância da guerra que deflagrara em Espanha para a manutenção e prosperidade do Estado Novo.

A boa relação de Portugal com os Franquistas

As boas relações com as forças nacionalistas conferiam aos jornalistas portugueses acesso privilegiado a informações e margem de manobra superior, em comparação com os enviados de outros países. A primeira entrevista do General Franco após o golpe de 1936 foi concedida ao Diário de Lisboa. A entrevista teve repercussões a nível mundial.

 

O exclusivo foi anunciado como: «A primeira mensagem histórica de Franco à opinião mundial».

 

Ao longo da guerra, outros jornalistas lograram falar com El Caudillo, por vezes recorrendo à influência de António Ferro e do Secretariado de Propaganda Nacional.

 

 

O Secretariado de Propaganda Nacional, sob a mão de Ferro, e a imprensa portuguesa, controlada pela censura, contribuíram para a campanha internacional de defesa de Franco. Desta forma, o trabalho de algumas das dezenas de jornalistas que se deslocaram para território espanhol assumiu contornos propagandísticos. «Nossos camaradas [...] estão escrevendo, nas frentes da guerra civil espanhola, uma das mais belas páginas do jornalismo português», afirmava António Ferro a 24 de novembro de 1936.

As rádios portuguesas Emissora Nacional e Rádio Clube Português não só aumentaram a potência da emissão, como criaram programas em castelhano. A voz de Marisabel de La Torre de Colomina, transmitida pelo Rádio Clube Português, tornou-se símbolo do apoio das rádios portuguesas ao General Franco.

 

 

Durante a Guerra Civil de Espanha, o Major Jorge Botelho Moniz instalou um eficiente serviço de informação e propaganda de apoio à causa Nacionalista que teve eco em Portugal e Espanha. O RCP foi muito importante como força moralizadora, de que é exemplo o episódio do Alcázar de Toledo, onde o próprio Botelho Moniz se dirigiu exaustivamente aos sitiados do Alcázar, motivando-os e assegurando que as tropas enviadas para os libertar do cerco republicano estavam a chegar.

A Emissora Nacional, órgão radiofónico oficial do Estado Novo, chamava a atenção dos portugueses para o perigo "rojo" espanhol, manifestando-se a favor das forças de Franco, que defendiam valores da «civilização cristã ocidental». Também a Rádio Luso, financiada pelos nazis, e a Invicta Rádio, ligada ao regime, estavam alinhadas com o movimento franquista, que promoviam em Lisboa e no Porto.

A mesma orientação era partilhada pelas revistas nacionalistas do Governo, como o Boletim da Legião Portuguesa, a Defesa Nacional e a Alma Nacional, que davam destaque ao conflito.

 

 

Mário Neves foi uma das exceções à atitude propagandística que se espalhou pelos media portugueses, ao revelar a chacina do exército nacionalista em Badajoz. O jornalista, nascido em 1912, herdara a paixão pela profissão do seu pai, Hermano Neves. A 17 de agosto escrevia: «Vou partir. Quero deixar Badajoz, custe o que custar, o mais depressa possível e com a firme promessa à minha própria consciência de que não mais voltarei aqui». As suas crónicas foram censuradas, com excertos do seu relato sobre os horrores de Badajoz a ficar excluídos das páginas do Diário de Lisboa.

 

 

Ao longo da sua carreira, Mário Neves colaborou ainda com o jornal O Século e fundou, com Norberto Lopes, A Capital, em 1968. Depois do 25 de Abril tornou-se o primeiro embaixador de Portugal na União Soviética e, em 1979, integrou o V Governo Constitucional. Faleceu em 1999, depois de uma longa e profícua carreira.

Repórteres de outros meios da imprensa nacional portuguesa começavam a chegar a Espanha. «Salamanca vive em plena calma», lia-se a 1 de agosto de 1936 no Diário da Manhã. Quem o reportara era o jornalista recém-chegado José Costa Júnior, no seu primeiro despacho. Esta tranquilidade em Salamanca foi recuperada também pelo jornalista Tomé Vieira n’O Século.

«Notam-se apenas algumas mediadas de precaução e lê-se, nos rostos, uma ansiedade constante (…) de resto, a vida citadina decorre com tranquilidade». O jornalista reforça que a cidade voltara lentamente a sua rotina normal dizendo: «Na bela Plaza Mayor passam, a todo o momento, camionetas com rapazes das juventudes patrióticas, eriçadas das espingardas, no meio de clamorosos “vivas”».

O Diário de Lisboa, que enviara o primeiro repórter para palco de guerra em Espanha, reconhecia agora a concorrência. Decide enviar um novo jornalista de seu nome Artur Portela.

No primeiro de agosto de 1936 atravessou a fronteira e chegou a Espanha. Durante a viagem escreveu um testemunho sobre o cenário que o circundava: «Na estrada que, por vezes, corre paralela ao caminho-de-ferro, vêem-se passar, em flechas vertiginosas, automóveis com gente armada». Mas ao contrário dos colegas e concorrentes, Artur Portela deparou-se com um cenário mais conturbado segundo o próprio relatou ao Diário de Lisboa: «Por vezes ouvem-se tiros à roda do Grande Hotel. (…) alguém disparou dum telhado ou contra um automóvel, onde seguiam falangistas e logo as patrulhas espalhadas pela cidade, ripostam numa nutrida fuzilaria».

A guerra começava a afetar diretamente Portugal. Em setembro de 1936, o Diário de Notícias anunciava uma revolta a bordo de dois navios de guerra, envolvendo membros da tripulação que, alegadamente, pretendiam juntar-se à «esquadra marxista espanhola».

 

 

«Traição, alta traição! O País inteiro reclama justiça contra todos aqueles que, direta ou indiretamente, estão envolvidos no estranho caso». Na imprensa nacional e estrangeira, o apoio dos regimes fascistas alemão e italiano a Franco tornava-se impossível de esconder.

 

 

Em abril de 1937, aviões alemães arrasavam a emblemática população basca de Guernica. O ABC de Madrid denunciou o ataque. Já a edição de Sevilha do jornal informou que Guernica teria sido "incendiada por los rojos", fazendo eco da versão oficial franquista. O ABC de Madrid respondeu, citando os correspondentes estrangeiros: "La felonía de los facciosos les lleva a asegurar que los leales han incendiado Guernica."

 

 

O mundo assistia incrédulo aos acontecimentos em Espanha. O The Times avançava em primeira mão: "The reflection of the flames could be seen in the clouds of smoke above the mountains from 10 miles away".

 

 

Durante os anos de duração da guerra, mais de mil repórteres cobriram o conflito. Cinco acabaram por morrer, entre os quais Ernest Sheepshanks, correspondente da Reuters, e Gerda Taro, considerada a primeira fotojornalista feminina na linha da frente de uma guerra. Os ingleses The Timese Manchester Guardian publicaram, entre 15 de julho de 1938 e 15 de abril de 1939, mais de 11 mil notícias focadas na guerra. Dos Estados Unidos também chegavam repórteres, destacando-se o The New York Times, que enviou três correspondentes permanentes para cobrir a guerra. Entre estes encontrava-se o escritor Ernest Hemingway, que chegou a Espanha em março de 1937 como correspondente da North American Newspaper Alliance. A Guerra Civil Espanhola ficou ainda imortalizada na cultura popular do país.

 

 

 

A música Madre anoche en las trincheras já faz parte do cancioneiro popular espanhol. Conta a lenda que a letra se baseia numa carta de um soldado espanhol para a sua mãe, inicialmente publicada na The New York Times Magazine.

Do legado artístico da guerra faz ainda parte Guernica, a obra-prima por excelência de Picasso. O pintor terá criado o painel a partir dos relatos dos bombardeamentos que chegaram até Paris, onde residia. A obra esteve em exposição na Exposição Internacional de Paris, em julho de 1937.

 

Picasso afirmou: "No, la pintura no está hecha para decorar las habitaciones. Es un instrumento de guerra ofensivo y defensivo contra el enemigo."

 

 

A guerra e a arte também se misturavam no trabalho dos fotojornalistas que presenciavam o conflito. Loyalist Militiaman at the Moment of Death, de Robert Capa, tornou-se uma das imagens mais icónicas da guerra civil.

 

As feridas abertas por Guernica continuavam a alastrar-se pela nação em 1938. "Se ha rendido el jefe faccioso de Teruel con las fuerzas a sus órdenes y se han pasado a nuestras filas dos compañías de requetés navarros", podia ler-se na edição de Madrid do jornal ABC, uma tentativa de manter a moral das populações. A edição de Sevilha publicava notícias contrastantes: "Nuestras victoriosas tropas siguen conquistando posiciones".

 

 

Franco ganhava força e isolava a Catalunha do resto do país. Em janeiro de 1939, Barcelona era tomada. "Razón y fuerza de la espada de Franco, Barcelona, liberada", anunciava o ABC publicado em Sevilha.

 

História bem diferente era contada na edição de Madrid. "Nuestros soldados luchan fuertemente, conteniendo a las fuerzas invasoras", podia ler-se no periódico. O jornal de orientação republicana recusava-se a aceitar que Barcelona já era dos franquistas.

 

 

Semelhantes palavras escrevia o jornal La Vanguardia a 25 de janeiro: "Las tropas españolas contienen con heroismo los intensísimos ataques de las divisiones italofacciosas." Com a tomada de Barcelona, a política editorial do jornal mudava.

 

 

Em Portugal, as conquistas de Franco continuavam a ser seguidas a par e passo: «Quando os exércitos vitoriosos de Franco fizeram desabar um mundo podre de mentiras marxistas e entraram em Barcelona, pode-se dizer que nós lá estávamos com eles, porque na guerra internacional que se travou ocupámos desde a primeira hora uma trincheira que nunca abandonámos», escrevia o Diário da Manhã a 23 de março de 1939.

Em março, chegava a vez de Madrid se render. Por esta altura, os enviados portugueses em Espanha contavam-se às dezenas.

 

 

O fim da Segunda República e o início da ditadura de Franco estavam próximos. A edição de Madrid do ABC de 28 de março refere o apelo do Conselho Nacional de Defesa aos espanhóis, "en demanda de la serenidad que exige el momento."

 

A política editorial alterara-se por completo. O retrato de Franco ocupava a primeira página do jornal. "ABC, en el momento de la liberación de Madrid, consigna el saludo más entusiasta para el valiente capitán y para el insigne estadista que está haciendo la España nueva", escrevia o ABC.

 

Durante o franquismo, o ABC viria a apoiar o regime, voltando a tornar-se num dos jornais mais vendidos em Espanha.

 

 

Com o final da guerra, as relações diplomáticas entre Portugal e Espanha continuaram a ser alvo de cobertura nos meios nacionais, ilustrando a proximidade entre os regimes de Salazar e Franco.

 

 

O jornal ABC refletia o contraste: A versão franquista – o ABC Sevilla – tinha cerca de 30 páginas, muitas imagens e inaugura constantemente mais seções dentro da publicação. No primeiro trimestre de 1939 registava uma tiragem de 130 000 exemplares.

Já o periódico de orientação republicana revelava um decréscimo em todas as frentes. A escassez de papel registada na capital madrilena e a dificuldade crescente de aceder a fontes fez com o jornal passasse a ser publicado com apenas 4 folhas. Na capa, com o intuito de aproveitar melhor o espaço disponível, eram muitas redigidas notícias. No último trimestre de 1938 a tiragem do ABC de Madrid era de 8000 exemplares.

 

 

A ditadura de Franco só viria a terminar depois da morte de El Caudillo, em 1975. Espanha iniciava a transição para a democracia.

Mais de 30 jornalistas e fotógrafos foram enviados pelos jornais portugueses para a Guerra Civil Espanhola. Todos foram destacados para o território rebelde. Onze jornalistas e dois fotógrafos foram enviados pelo Diário de Notícias. Cinco pessoas foram destacadas pelo jornal O Século. Sete correspondentes, entre os quais dois fotógrafos, foram enviados pelo Diário de Lisboa. Dois jornalistas foram destacados pelo Diário da Manhã e mais dois pelo Comércio do Porto. Apenas um repórter foi enviado pelo Jornal de Notícias e outro pel’O Primeiro de Janeiro.