A Capital vai à guerra
A Primeira Guerra Mundial marcou a estreia de um enviado especial português ao campo de batalha. A dimensão mundial do conflito fez com que tivesse repercussões na Impresa de todo o mundo. Aliados e adversários à parte, um fator em comum: a censura.
O primeiro enviado especial
«Hermano Neves dar-nos-há da guerra a visão portugueza; dará movimento e vida aos seus factos, tornando-nos familiares os seus aspectos […] Só assim se faz historia, e o jornalismo moderno é a historia de todos os dias».
A 29 de agosto de 1914, A Capital anunciava a partida de Hermano Neves para França. Era o repórter português era o primeiro enviado especial a partir para o palco da guerra.
À época, a cobertura noticiosa feita em Portugal dependia, em grande parte, das informações que chegavam através de meios estrangeiros e de agências internacionais.
Um conflito imortalizado na história do jornalismo português como o primeiro contar com repórteres nacionais no terreno. Uma guerra cujos primeiros desenvolvimentos haviam chegado a Portugal dois meses antes.
Rebenta a guerra
«O arquiduque herdeiro da Áustria e sua esposa mortos a tiros de pistola». A 29 de junho de 1914, a capa do Diário de Notícias era dominada pelo trágico acontecimento.
No dia anterior, Franz Ferdinand e a sua mulher tinham sido alvejados em Sarajevo. O crime tinha feito manchetes na imprensa de todo o mundo.
O atirador – o nacionalista sérvio Gavrilo Princip – foi detido, mas as consequências do crime eram inevitáveis. O tiroteio deixava feridas mais profundas, que o antetítulo do Diário de Notícias já deixava antever: «O ódio de raças».
A 28 de julho de 1914, o império austro-húngaro, apoiado pela Alemanha, declara guerra à Sérvia.
Os jornais iam dando conta do clima de tensão vivido na Europa, culminando com a declaração de guerra da Alemanha à Rússia, a 1 de agosto de 1914, e, dois dias depois, a França. A 4 de agosto, a Grã-Bretanha junta-se ao conflito.
A Europa estava em guerra.
À medida que os conflitos se agudizavam no resto da Europa, em Portugal debatia-se se o país devia ou não envolver-se. Em fevereiro de 1916, o Governo português ordena a apreensão de navios alemães no porto de Lisboa.
Alemanha declara Guerra a Portugal a 9 de março de 1916. Em 1917, Corpo Expedicionário Português partiu para a Flandres.
Joshua Benoliel capturou, através da sua lente, partida das tropas nacionais.
A Ilustração Portuguesa deu grande ênfase à participação nacional no conflito, acompanhando os portugueses na guerra através das imagens captadas pelo fotógrafo Arnaldo Garcez.
No terreno encontrava-se Adelino Mendes, do jornal A Capital e repórter que acompanhava o exército nacional.
Também Adriano Sousa Lopes, nomeado pelo Governo como «oficial-artista» do Corpo Expedicionário Português, estava na frente ocidental.
Antes de partir, anunciou a intenção de «documentar artisticamente» a participação de Portugal no conflito e explicou publicamente os seus objetivos, em entrevista ao jornal O Século.
«Em primeiro lugar, é uma obra de propaganda do nosso esforço militar. Eu passaria a colaborar em várias revistas estrangeiras, que ilustraria com assuntos da vida do nosso Exército em campanha».
A guerra do silêncio
Por cá, a máquina de propaganda de guerra montada pelo ministro da Guerra, General Norton de Matos, continuava oleada.
A introdução da fotografia permitia inovar a arte de dar notícias, tornando-se o principal veículo de comunicação de imagens e contribuindo para os primeiros passos do fotojornalismo português.
Dirigida por Augusto Pina, a revista quinzenal ilustrada Portugal na Guerra documentou a intervenção militar do Corpo Expedicionário Português.
O outro lado da guerra, que escapava à seriedade dos relatórios e documentos militares, estava visível na publicação João Ninguém: Soldado da Grande Guerra, um relato humorístico das provações do Corpo Expedicionário Português.
Mas nem todas as informações chegavam aos portugueses.
A censura militar, instituída pela I República em 1916, excluía da cobertura noticiosa qualquer dado estratégico ou que pudesse abalar o moral das tropas.
A Censura Prévia estava a cargo do Ministério de Guerra, sendo vista como uma exceção temporária, uma vez que era assumidamente anticonstitucional.
A indignação dos jornalistas face ao regime censório tornou-se cada vez mais evidente.
«Esta guerra é a guerra do silêncio», escrevia Adelino Mendes no jornal A Capital, em 1917.
Mesmo no terreno, os enviados especiais eram acompanhados por militares, que serviam de guias, intérpretes e, sobretudo, censores.
O humorista e escritor André Brun destacou-se na dupla função de soldado-jornalista, combatendo no conflito e, simultaneamente, escrevendo para periódicos portugueses e brasileiros.
Eram raros os jornais que questionavam a participação portuguesa na guerra.
A cobertura noticiosa estava recheada de descrições elogiosas, em tom patriótico, dando destaque aos feitos dos «nossos bravos soldados», mesmo em caso de derrota.
A mais trágica das batalhas portuguesas
Até La Lys, a mais trágica das batalhas para os portugueses, ficou marcada na imprensa portuguesa pelo orgulho nos combatentes.
Esta tendência censória é comum à cobertura internacional.
A 1 de julho de 1916, 19.000 ingleses perderam a vida em Somme.
Sujeito à censura e sem condições para reportar a partir do campo de batalha, o jornalista Philip Gibbs escreveu:
“We may say it is, on balance, a good day for England and France. It is a day of promise in this war” [«Podemos dizer que é, em balanço, um bom dia para Inglaterra e França. É um dia de promessa nesta Guerra»].
No ano anterior, também a sua cobertura de 40 páginas da batalha de Loos tinha sido sujeita a cortes pelo lápis azul.
Os jornais britânicos publicavam histórias sobre os alemães sem fontes fiáveis, contribuindo para fortalecer o espírito nacionalista e o apoio à guerra.
Em 1914, apenas quatro dias depois da entrada do Reino Unido na Primeira Guerra Mundial, era aprovado o Defence of the Realm Act, que instituía a censura.
A Guerra torna-se mundial
Além das notícias sobre a Grande Guerra, eram publicados artigos sobre a frente doméstica.
Uma cobertura que chegava a todo o mundo.
Apesar dos constrangimentos externos, eram dados sinais de que a forma de fazer jornalismo estava a mudar.
A jornalista Peggy Hull, do El Paso Morning Times, convenceu o seu editor a enviá-la para França.
À época, o War Department dos Estados Unidos não concedia acreditação a jornalistas do sexo feminino, mas isso não impediu Hull de passar um mês e meio num campo de treino de artilharia como correspondente de guerra.
Em 1918, Peggy Hull tornou-se a primeira jornalista do sexo feminino acreditada pelo Governo norte-americano.
As mudanças na cobertura noticiosa feita nos Estados Unidos refletiam o interesse crescente do país no conflito.
A política de guerra submarina germânica, que incluiu ataques a navios e tripulações norte-americanas, levou ao corte de relações oficiais com Berlim.
A neutralidade declarada pelos Estados Unidos em 1914 tornava-se insustentável.
Os Estados Unidos declaram guerra à Alemanha a 6 de abril de 1917.
O conflito que deflagrara há quase três anos na Europa tornava-se assim, verdadeiramente, numa guerra mundial.
Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, as contas complicavam-se para o exército germânico. A Alemanha rendia-se a 11 de novembro de 1918. A paz regressava à Europa e ao mundo.
«Viva Portugal! Vivam o Exército e a Marinha Portugueses!», lia-se no Diário de Notícias.
Mais de noventa anos depois do conflito, a RTP emitiu, em 2008, o documentário «Portugueses nas Trincheiras», que documenta a participação portuguesa na Primeira Guerra e recorda algumas histórias dos soldados que lutaram no Norte de França.
O documentário começa com uma canção entoada pelo soldado João Neves num campo de prisioneiros alemão, em 1918. Acredita-se que esta seja a primeira gravação de um cantor português não-profissional.