Conflitos no Médio Oriente

À conquista da Terra Santa

Um dos territórios mais perigosos do nosso mundo, o Médio Oriente é terreno fértil para repórteres de todas as origens. O olhar dos Media, que já foi mais atento do que é hoje, sobre um conflito interminável.

«A meia dúzia de metros, os canhões de Israel bombardeiam com grandes labaredas à saída das bocas de fogo. O barulho é tanto que nem sequer ouvimos a aviação rasante sobre as nossas cabeças. Seguimos para a fronteira e ao longo do caminho o espetáculo é sempre o mesmo: destroços de guerra à mistura com rolos de fumo, línguas de fogo e um ruído ensurdecedor a que já nos habituámos».

José Manuel Teixeira, do jornal Expresso, chegava a Israel e encontrava um país mergulhado em guerra.

Não era de estranhar. O país estava ferido: tinha sido atacado pelo Egito e pela Síria em pleno Yom Kippur, o dia mais santo do calendário judaico.

As hostilidades de 1973 constituíam-se apenas como mais um episódio de um confronto já muito antigo, que remonta à criação de um Estado Judaico na Palestina (sionismo).

O final da Segunda Guerra Mundial iria conferir aos judeus uma legitimidade para a criação de um Estado Judaico na Palestina.

Os judeus começaram a exercer pressão sobre os EUA, que cederam e apoiaram, juntamente com a ONU, a divisão da Palestina em três partes: uma judaica, outra árabe e outra (a cidade de Jerusalém), internacionalizada.

 

 

O conflito iria ser despoletado imediatamente nesse ano de 1947. Enquanto os judeus aceitavam a divisão, os árabes não.

Os EUA e a União Soviética apoiaram os judeus, que conseguiram retaliar com sucesso e lançaram uma campanha de expulsão das populações palestinianas da região.

Em 1948, David Ben-Gourion proclamou a Declaração de Independência de Israel.

Em 1959, Yasser Arafat criou a Fath, que mais tarde passou a controlar a Organização de Libertação da Palestina (OLP).

A caixa-de-pandora estava aberta: Israel multiplicaria as suas forças contra os Estados árabes.

O conflito alastra-se

Durante o conflito dos Seis Dias em 1967, Israel conquistou vários territórios e tornava-se a grande potência do Médio Oriente.

Como resultado, o Egito perdeu a Península de Sinai e a Faixa de Gaza, a Jordânia perdeu a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, e a Síria perdeu os Montes Golã.

Em 1972, o presidente do Egito, Anwar el-Sadat, expulsa 20.000 conselheiros soviéticos e abre os canais de comunicação com os EUA.

Washington, sendo um grande aliado de Israel, desempenharia, no ver do presidente egípcio, um papel fundamental para negociações de paz entre o Egito e Israel.

No entanto, não se chegam a negociações. O Egito forma uma aliança com a Síria, e os ataques a Israel são planeados.

As forças israelitas foram apanhadas de surpresa, mas conseguiram reagir.

Em pleno clima de Guerra Fria, a URSS apoiou as nações árabes, enquanto os Estados Unidos ficaram do lado de Israel.

Mas os envolvidos não se ficaram por aqui. As forças iraquianas rapidamente se juntaram ao conflito contra Israel, e a Jordânia apoiou a Síria.

Israel contra-atacou em força, à custa de várias perdas nas forças israelitas. Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos na altura, ordenou o envio aéreo de armas para auxiliar Israel, mas tal decisão foi adiada por uma semana, devido à simpatia expressa dos EUA pelo Egito.

Nos Estados Unidos, a ABC reportava os ataques israelitas na Península de Sinai.

Mas os vários jornalistas enviados deparavam-se com diversos condicionantes.

O jornalista José Manuel Teixeira, do Expresso, tinha chegado a Tel Aviv a 8 de outubro e imediatamente sentira o apertado controlo das forças israelitas sobre a imprensa.

«É impossível informar com verdade e objetividade a partir do território de Israel. […] A censura militar é de tal forma repressiva que não dá nenhuma hipótese de fazer sair de Israel qualquer notícia ou foto que não apoie diretamente a política do Governo de Telavive».

De volta a Lisboa, o português escrevia a sua última crónica sobre o Médio Oriente naquele outubro de 1973.

À medida que os confrontos se agravavam, os Estados Unidos iam relatando com alguma indiferença os acontecimentos.

De tal forma que a BBC, ao longo das notícias que publicava sobre a guerra de Yom Kippur, declarava a morte de cerca de 6.000 israelitas. Mais tarde, o Ministério da Defesa de Israel revelava que as perdas do país no conflito rondavam as 2.222.

Do lado israelita, os jornais enchiam-se de notícias sobre o apoio militar dos EUA a Israel, e enalteciam os avanços do exército israelita.

O cessar-fogo

Os israelitas sairiam vitoriosos na disputa pelos Montes Golã na Síria e, no dia 10 de outubro, expulsam de vez os sírios da região. No mesmo dia, Manuel Batoréo desembarca em Tel Aviv e Pedro Oliveira em Beirute, no Líbano. Ambos eram enviados de A Capital.

Nesta altura, a situação militar israelita mostrava-se bastante favorável.

«Observadores imparciais creem que os exageros israelitas são maiores do que os dos árabes. […] Segundo os observadores internacionais as informações judaicas são extremamente exageradas», escreveu Pedro Oliveira para A Capital, 13 de outubro de 1973.

No fim-de-semana de 20 e 21 de outubro, o secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, deslocou-se a Moscovo para iniciar as negociações de paz entre a ONU e a União Soviética.

Um cessar-fogo foi assinado por ambas as partes.

Contudo, Manuel Batoréo reportava atividade na fronteira com o Egito:

«A grande altitude, conseguimos ver aproximarem-se dois aviões. Depois, formava-se um rasto de fumo, uma labareda enorme caía no solo, desenvolvendo um cogumelo negro que demorou algum tempo a dissipar-se», relatou.

A 24 de outubro, as Nações Unidas voltam a intervir, e aprovam uma segunda resolução de cessar-fogo.

Mas somente a 29 de outubro os militares israelitas e egípcios deram início às negociações de paz, pondo um fim ao conflito do Yom Kippur.

Em 1974, Daniel Bloch levantava a seguinte questão no jornal Davar:

“Did journalism fill its duty in exposing problems, distortions and blunders in the security system or did it share the common conception that the military and the security establishment are never wrong?”

[«Será que o jornalismo cumpriu o seu dever, expondo os problemas, distorções e erros no sistema de segurança, ou será que partilhava a conceção comum de que os estabelecimentos militares e de segurança nunca estão errados?»]

De facto, o jornalista acusava os meios israelitas de não questionarem a preparação do país para a guerra, assim como as avaliações positivas do governo perante as intenções dos seus vizinhos.

Como resultado, Israel foi completamente apanhado desprevenido aquando da invasão da Síria e do Egito.

Nos anos 1950, os meios de Israel aceitavam a censura militar a que eram expostos, para além de serem convencidos por parte do governo que o exército israelita era invencível após a Guerra dos Seis Dias em 1967.

No rescaldo do conflito de Yom Kippur, os jornalistas israelitas assumiram a responsabilidade na falha de alertarem o público sobre a guerra iminente.

O conflito seria um fator decisivo na mudança da posição dos media israelitas, que passaram de meros relatores para organismos críticos em busca da verdade.

O choque petrolífero

Depois do fim do conflito, a reputação do presidente Sadat no Médio Oriente aumentou, devido aos primeiros avanços de sucesso feitos pelo Egito.

Assim, em 1974, o primeiro de dois acordos que indicavam o regresso de várias porções da Península de Sinai ao Egito foi assinado, e em 1979 o primeiro acordo de paz entre Israel e os seus vizinhos árabes foi também firmado.

No entanto, para a Síria, a história era muito diferente. O inesperado cessar-fogo entre Israel e o Egito expôs a Síria à sua derrota militar, e Israel acaba por ganhar o controlo de ainda mais território nos Montes Golã.

Aliás, no rescaldo da derrota no conflito de Yom Kippur, cinco países árabes produtores de petróleo reuniram-se no Kuwait a 18 de outubro de 1973 e decidem cortar a sua produção e iniciar um embargo petrolífero aos EUA, Canadá e Holanda, considerados apoiantes do sionismo.

Assistia-se ao primeiro choque petrolífero.

Em 1975, a guerra civil eclodiu no Líbano. A chegada dos palestinianos ao país, para organizarem as suas ações contra Israel, veio agravar o frágil equilíbrio da política libanesa, e os cristãos libaneses entram em conflito com os muçulmanos libaneses, que formam uma aliança com os palestinianos.

Israel decide intervir, e a 6 de junho de 1982, o país invade o Líbano para pôr um fim aos palestinianos e às bases da OLP na região. Milhares de palestinianos recuam as posições militares e refugiam-se em Beirute.

José Goulão, enviado especial de O Diário, e Álvaro Martins Lopes, do Expresso, assistiram ao cerco de Beirute Ocidental, levado a cabo pelos israelitas e pela Falange, a milícia cristã libanesa.

«Os bombardeamentos aéreos prolongaram-se durante três horas e cederam lugar à artilharia pesada (…) Durante a tarde e a noite o tiroteio não parou, variando apenas de intensidade», escreveu José Goulão para O Diário, a 13 de agosto de 1982.

Também Álvaro Martins Lopes, do Expresso, reportou o acontecimento.

«O espetáculo é insólito […] metade da cidade feericamente iluminada e a outra metade imersa em total escuridão – apenas quebrada pela luz fantasmagórica dos ‘very lights’ israelitas que levam imenso tempo a extinguir-se ou pela explosão alaranjada dos obuses e ‘rockets’».

As televisões mostravam os bombardeamentos violentos a Beirute.

 

 

O presidente Ronald Reagan, dos EUA, contacta Menahem Begin, primeiro-ministro de Israel, e exige o fim dos ataques.

Um cessar-fogo é acordado entre ambas as partes.

A 21 de agosto, a OLP começa a retirar-se de Beirute.

«As aclamações da população civil libanesa, os beijos e abraços dos irmãos de armas da esquerda libanesa (…) Ar de festa e garridice que fazia esquecer as ruínas e o luto», descreveu Álvaro Martins Lopes.

Mas os horrores não ficavam por aqui.

Massacres correm mundo

A 16 de setembro de 1982, o exército cristão Falange dá início a um genocídio de milhares de civis palestinianos no Líbano, nomeadamente no bairro de Sabra e no campo de refugiados Shatila em Beirute.

 

 

Em 1983, o governo israelita criou a Comissão Kahan, com o objetivo de se investigar os massacres e apurar os culpados. A comissão viria a apontar o ministro da Defesa, Ariel Sharon, indiretamente responsável pela violência cometida no Líbano.

Os media ocidentais começaram a atribuir a culpa pelos massacres a Ariel Sharon como se se tratasse de um facto incontornável.

Em 1983, o ministro israelita levou aos tribunais a revista Time, devido a uma capa que indicava que Sharon tinha encorajado os massacres.

Ficou concluído que a revista agiu negligentemente, interpretando de forma errada o documento israelita no qual a acusação se baseou.

No 30.º aniversário dos massacres, Robert Fisk, o correspondente no Médio Oriente do jornal britânico The Independent, voltou aos locais dos massacres.

O jornalista descobriu novas provas que indicam que mais de 1000 palestinianos foram levados e assassinados pelos israelitas após os massacres.

 

 

A guerra no Líbano ficaria gravada na memória do Médio Oriente. Em 2008, Ari Folman dirige o primeiro documentário de animação israelita, Waltz with Bashir, que aborda as memórias de guerra do próprio no conflito de 1982.

O filme foi muito aclamado pela crítica, tendo sido nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro do Ano. Além disso, ganhou vários prémios reconhecidos internacionalmente.

O Médio Oriente sempre foi caracterizado pela sua elevada instabilidade política, religiosa e étnica.

O conflito de Yom Kippur e o cerco a Beirute Ocidental seriam só mais uns entre vários episódios que se sucederam ao longo dos tempos, intensificando uma grande guerra que se estende até aos dias de hoje.