O palco que nunca fica vazio
A tensão no Afeganistão começa, em 1978, com a revolta contra as reformas do novo governo comunista pró-soviético. Os acontecimentos de 11 de setembro de 2001, nos longínquos EUA, marcam uma nova era na História. O mundo volta as atenções para este palco de guerra que se torna num maiores conflitos do século XXI e dos que há mais tempo estão presentes nos Media.
Uma guerra à espera da notícia
A tensão no Afeganistão começou em 1978, quando o novo governo comunista pró-soviético fez várias reformas que chocavam com a ideologia e a cultura do Islão. A população, na sua maioria muçulmana, revoltou-se. A equipa da RTP, da qual também faziam parte Manuel Carvalho e Norberto Lopes, tinha ido ao Paquistão para filmar refugiados, e via-se agora a caminho do Afeganistão, onde os esperava um país em guerra.
A equipa da RTP, da qual também faziam parte Manuel Carvalho e Norberto Lopes, tinha ido ao Paquistão para filmar refugiados, e via-se agora a caminho do Afeganistão, onde os esperava um país em guerra.
No final de 1979, Hafizullah Amin liderou um golpe de Estado em Cabul, executando o seu antecessor e subindo ao poder. As tentativas de aproximação deste novo líder aos Estados Unidos preocuparam a União Soviética, que acabou por invadir o Afeganistão.
A 27 de dezembro de 1979, cerca de 50.000 tropas soviéticas entraram no Afeganistão. O palácio de Hafizullah Amin é invadido e 200 guarda-costas do presidente são mortos. Hafizullah Amin, encontrado escondido atrás de um bar, é assassinado a sangue frio. Babrak Karmal torna-se presidente.
Os jornalistas ocidentais tiveram dificuldade em cobrir este conflito, uma vez que nenhum dos lados simpatizava com o Ocidente. O acesso à informação era dificultado pelas tropas e pelos rebeldes, e as filmagens tornavam-se impossíveis.
Entretanto, a ajuda dos EUA chegava aos mudjahedin (soldados da jihad – guerra santa). Os rebeldes muçulmanos começaram a deixar as equipas de reportagem acompanharem-nos nas missões. Os EUA eram aliados por conveniência dos mudjahedin. Num contexto de Guerra Fria, a maior potência ocidental tentava desesperadamente vencer o exército russo.
O governo norte-americano manipula os media, enaltecendo as características dos rebeldes muçulmanos. Por todo o lado, os jornais celebravam os mudjahedin:
“The heroic struggle waged by the Afghan freedom fighters.” [A luta heroica travada pelos lutadores afegãos da liberdade] - Wall Street Journal, 30 de dezembro de 1987
“The Afghan guerrillas have earned the admiration of the American people for their courageous struggle…. The rebels deserve unstinting American political support and, within the limits of prudence, military hardware.” [Os guerrilhas afegãos ganharam a admiração do povo americano pela sua luta corajosa… Os rebeldes merecem o apoio político americano ilimitado e, dentro dos limites da prudência, equipamento militar] - L.A. Times, 23 de junho de 1986
“Fighting the good fight” [lutando a boa luta] - New Republic, 13 de junho de 1983
O jornal The London Observer reportava em janeiro de 1980: “the American embassy here [in Kabul]…has been sending wildly inaccurate information to American journalists, exaggerating the number of Russian troops in the country, the number of Russians killed, and the extent of the engagements.” [A embaixada americana aqui [em Cabul]… tem enviado informação altamente incorreta para os jornalistas americanos, exagerando o número de tropas russas no país, o número de russos mortos e a extensão da ocupação]
RTP aterra em Cabul cercada
Seis anos depois, em fevereiro de 1989, uma nova equipa da RTP, composta por Francisco Seruca Salgado, Nuno Jorge e Jorge Lopes, aterrava numa Cabul cercada.
«Contavam-se às centenas, carregando o bojo dos anafados Antonov e dos Illiuchine com haveres pessoais e equipamento militar. Foram os derradeiros momentos da presença militar do Exército Vermelho em território afegão», escrevia Seruca na Grande Reportagem, sobre os soldados russos no país.
A retirada soviética e o início da guerra civil
Muita coisa mudara no Afeganistão desde a aventura da jornalista Diana Andringa em 1983. Mikhail Gorbachev encontrava-se no poder em Moscovo, tendo assinado os acordos de Genebra que, entre outras medidas, estabeleciam a retirada soviética do Afeganistão até fevereiro de 1989. Mohammad Najibullah, apoiado pela União Soviética, substituía Babrak Karmal na presidência do Afeganistão.
Na madrugada de dia 15 de fevereiro de 1989, os últimos contingentes soviéticos abandonaram a capital afegã.
A equipa portuguesa da RTP filmava as ruas da cidade e Seruca reportava: «Cabul está calma, mas as pessoas tiritam de medo e de frio».
Após a partida das tropas russas, os soldados mais fiéis ao regime de Najibullah tentavam transparecer uma normalidade junto das câmaras de televisão estrangeiras. Mas era inevitável: os mudjahedin, apoiados pelos Estados Unidos, mantinham os seus esforços para derrubar o presidente. A guerra civil estava instalada.
Quando questionado pelo jornalista de investigação norte-americano Jon Alpert se o seu governo conseguiria manter-se por si mesmo, Mohammad Najibullah afirmava: "Sure, no problem.” [Claro, sem problema]
Em Cabul, Seruca Salgado descrevia que os soldados «fingiam desconhecer os bombardeamentos e a presença dos mudjahedin na cidade, no preciso momento em que se ouviam algumas explosões». Numa crónica enviada para Lisboa, o repórter afirmava: «se as granadas têm origem nos Mudjahedin que cercam a cidade, como aparentemente parecem ter, então estamos perante um indício de fraqueza e incapacidade de tomarem a cidade de assalto». Tal análise veio-se a provar correta.
José Barata-Feyo, o segundo repórter enviado da RTP, conseguiu convencer os mudjahedin a deixá-lo acompanhá-los no derradeiro esforço para tomarem Cabul.
Todavia, a odisseia até à capital revelar-se-ia infrutífera. Rapidamente a equipa de jornalistas percebeu o que Seruca havia pressentido semanas antes: os mudjahedin estavam longe de ter o controlo da situação de guerra, e que a paz não seria alcançada tão cedo.
Em 1992, três anos depois da chegada de Seruca Salgado e Barata-Feyo, Carlos Fino e o operador de câmara Vadim Meshki desembarcaram na capital afegã. Mohammad Najibullah tinha cedido perante os rebeldes.
«Miríades de balas tracejantes cruzam todas as noites os céus de Cabul, ao mesmo tempo que se ouvem repetidos tiros de morteiro e disparos de metralhadora. Milhares de mudjahedin fortemente armados, agora senhores da cidade, festejam assim a tomada da capital afegã, ao cabo de catorze anos de guerra contra o regime comunista apoiado por Moscovo», descrevia Carlos Fino.
No entanto, a guerra mantinha-se. O líder militar Massoud tomara a cidade de Cabul, mas desta vez a guerrilha desenrolar-se-ia com uma outra fação mudjahedin, liderada por Hekmatyar.
Na última reportagem da equipa da RTP antes do regresso a Portugal, os jornalistas encontram um oficial das forças de Hekmatyar. O jovem Najibullah, de 25 anos, estava pronto para entrar em ação contra o novo regime, caso as conversações que ocorriam na altura não dessem resultados: «Iremos combater novamente».
Em 1993, a CNN fazia uma retrospetiva da guerra civil que decorria no país. A peça não poupava os governos de Reagan e Carter, que ajudaram os extremistas mudjahedin, liderados por Hekmatyar, com o envio de milhões de dólares.
A guerra civil entre mudjahedin iria prolongar-se até ao surgimento de uma nova corrente muçulmana: os talibãs.
A tragédia anunciada
As consequências deste movimento seriam catastróficas para o mundo, em especial para os Estados Unidos.
Poucos dias após o ataque ao World Trade Center em Nova Iorque, o jornal Le Monde revelava que Osama Bin Laden, o autor do atentado, havia sido contratado pela CIA durante a guerra civil no Afeganistão.
O homem mais procurado do mundo havia combatido junto à fação fundamentalista de Hekmatyar, altamente apoiada pelos EUA. Os acontecimentos do atentado a 11 de setembro marcariam uma nova era na História. O mundo voltava as suas atenções para o Afeganistão, que se tornava o palco principal de um dos maiores conflitos do século XXI. A guerra no Afeganistão é um dos conflitos que há mais tempo tem vindo a estar presente nos media.