"Propaganda", a obra maior
Quase um século depois de ter sido publicada, em 1928, "Propaganda", de Edward Bernays, continua a ser considerada uma das contribuições mais emblemáticas para a indústria da Comunicação.
Estamos em 1928.
Depois do sucesso dos livros Crystallizing Public Opinion (1923) e A Public Relations Counsel (1927), Edward Bernays lança a obra de referência que lhe valerá o batismo de «The Father of Spin».
Com a passagem do tempo, Propaganda torna-se na obra de referência para os profissionais da Comunicação.
Por que caleidoscópio espreitava o olhar de Bernays sobre propaganda?
A inovação do seu contributo consistia na adaptação de conceitos psicológicos à esfera da Comunicação, uma visão ainda pouco explorada.
O pai das RP explicava a psicologia por detrás da manipulação de massas através do uso da propaganda. Além disso, examinava como esta forma de comunicar influenciava a política, a mudança social e a prática de lobbying.
“The conscious and intelligent manipulation of the organized habits and opinions of the masses is an important element in democratic society. Those who manipulate this unseen mechanism of society constitute an invisible government which is the true ruling power of our country. We are governed, our minds are molded, our tastes formed, our ideas suggested, largely by men we have never heard of. ”
[«A manipulação inteligente e consciente dos hábitos e opiniões organizados das massas é um elemento importante na sociedade democrática. Aqueles que manipulam este mecanismo dissimulado da sociedade constituem-se como um governo invisível que é o verdadeiro poder que dirige o nosso país. Somos governados, as nossas mentes são moldadas, os nossos gostos formados, as nossas ideias sugeridas, largamente por homens de que nunca ouvimos falar»].
Nunca uma afirmação continuaria tão atual como esta.
A construção do consenso
Na sua análise, Bernays começa a dar forma ao seu popular conceito de “engineering consent” [«construção do consenso»]. O grande teórico considera que o consenso é vital para a sobrevivência das democracias, e aqueles que o ajudam a construir são quem verdadeiramente detém o poder sobre as pessoas, incluindo as suas ideias e opiniões.
“Some of the phenomena of this process [propaganda] are criticized – the manipulation of news, the inflation of personality, and the general ballyhoo by which politicians and commercial products and social ideas are brought to the consciousness of the masses. The instruments by which public opinion is organized and focused may be misused. But such organization and focusing are necessary to orderly life.”
[«Alguns dos fenómenos deste processo (propaganda) são criticados – a manipulação das notícias, a inflação da personalidade e o tumulto geral pelo qual os políticos, os produtos comerciais e as ideias sociais são trazidos à consciência das massas. Os instrumentos através dos quais a opinião pública é organizada e focada podem ser mal utilizados. Mas tal organização e foco são necessários para a vida ordeira»].
O ângulo escolhido foca-se na defesa da propaganda enquanto instrumento necessário e fundamental para a formação da opinião pública e para o funcionamento normal da vida em sociedade.
Aliás, Bernays vai ainda mais longe e diz que a propaganda é uma ferramenta para ganhar a aprovação das massas, e que aqueles que detêm o poder precisam desta aprovação para poderem atuar.
Assim…
“Propaganda is here to stay.” [«A propaganda veio para ficar»]
A propaganda em mudança
No entanto, a sociedade moderna dos anos 20/30 encontrava-se perante uma nova propaganda.
“Modern propaganda is a consistent, enduring effort to create or shape events to influence the relations of the public to an enterprise, idea or group.”
[«A propaganda moderna é um esforço consistente e permanente para criar ou moldar eventos para influenciar as relações do público com uma empresa, ideia ou grupo»].
Novas técnicas, significavam igualmente o surgimento de um novo profissional que as punha em prática:
“The propagandist who specializes in interpreting enterprises and ideas to the public, and in interpreting the public to promulgators of new enterprises and ideas, has come to be known by the name of ‘public relations counsel.’”
[«O novo propagandista que se especializa na interpretação de empresas e ideias para o público, e em interpretar o público para os promulgadores de novas empresas e ideias, tem vindo a ser conhecido pelo nome de “consultor de relações públicas”»].
O surgimento de escândalos financeiros no século XX fez crescer a consciência da importância das Relações Públicas.
A esta nova perceção juntava-se, porém, uma desconfiança: a dificuldade da sociedade em distinguir um propagandista de um profissional de relações públicas.
“If we accept public relations as a profession, we must also expect it to have both ideals and ethics.”
[«Se aceitarmos as relações públicas enquanto profissão, também devemos esperar que esta tenha igualmente ideais e ética»].
Propaganda e capitalismo
O teórico não se fica por aqui. O argumento da propaganda como instrumento fundamental para o funcionamento da sociedade democrática é expandido e abrangido ao campo económico. De acordo com o autor, a propaganda tem um impacto positivo no capitalismo.
“A single factory, potentially capable of supplying a whole continent with its particular product, cannot afford to wait until the public asks for its product; it must maintain constant touch, through advertising and propaganda, with the vast public in order to assure itself the continuous demand which alone will make its costly plant profitable.”
[«Uma única fábrica, potencialmente capaz de fornecer um continente inteiro com o seu produto, não pode esperar até que o público peça o seu produto; tem de se manter em constante contacto, através da publicidade e da propaganda, com o vasto público, de forma a assegurar a contínua procura que, por si só, vai transformar a sua dispendiosa fábrica numa unidade rentável»].
Com a utilização massiva de propaganda durante a Primeira Guerra Mundial, esta forma de comunicar já adquirira uma conotação algo negativa.
Eis que Bernays apresenta uma nova visão sobre esta forma de comunicar, estudando os seus efeitos e defendendo o seu uso.
“I am aware that the word ‘propaganda’ carries to many minds an unpleasant connotation. Yet whether, in any instance, propaganda is good or bad depends upon the merit of the cause urged, and the correctness of the information published.”
[«Estou ciente de que a palavra “propaganda” carrega em si uma conotação negativa a muitas mentes. Contudo, se, em circunstância alguma, a propaganda é boa ou má, depende do mérito da causa estimulada e da veracidade da informação publicada»].
Bernays vai mais longe na sua conceção sobre este processo.
“Man’s thoughts and actions are compensatory substitutes for desires which he has been obliged to suppress. A thing may be desired not for its intrinsic worth or usefulness, but because he has unconsciously come to see in it a symbol of something else, the desire for which he is ashamed to admit to himself.”
[«Os pensamentos e ações do homem são substitutos compensatórios de desejos que ele tem sido obrigado a suprimir. Uma coisa pode ser desejada não pelo seu valor intrínseco ou utilidade, mas porque ele tem vindo a vê-la inconscientemente como um símbolo de outra coisa, o desejo pelo qual ele se envergonha de admitir»].
Esta perspetiva psicológica dos indivíduos e das massas veio contribuir para uma nova visão da propaganda. O trabalho do propagandista passava a ser muito mais do que disseminar uma ideia ou um produto. Passava, antes, a dedicar-se à descoberta dos motivos e desejos mais escondidos da sua audiência.
Assim, a propaganda despertava, no público-alvo, uma reação preenchida por uma dualidade: agir ou não agir? Correto ou incorreto? Bom ou mau? As escolhas dos indivíduos tornavam-se limitadas.
E qual o resultado? Respostas mais rápidas e mais fervorosas.
De 1928 para o presente
No prefácio da primeira edição portuguesa, o Consultor de Comunicação e Relações Públicas Luís Paixão Martins transporta-nos numa viagem pela vida de Edward Bernays.
Muito mais do que um pioneiro, este norte-americano de origem austríaca destacou-se dos demais e criou raízes para várias práticas e costumes que ainda hoje fazem parte do nosso quotidiano.
Desde a introdução do bacon nos pequenos-almoços norte-americanos, à desculpabilização do fumar em público associada à emancipação feminina na iniciativa «Torches of Freedom»; passando pela criação do conceito atualmente aceite de «a cerveja é a bebida da moderação», Bernays ganhou o título de «pai das Relações Públicas» de forma justa.
Quando Bernays se identificou em tribunal como «Consultor em Relações Públicas», constituiu-se como um marco inédito na História.
O ponto de viragem para as Relações Públicas enquanto profissão estava traçado.
Contudo, o mais surpreendente acerca desta figura foi sempre a sua capacidade de pensar «fora da caixa».
Defendendo que é mais fácil mudar as atitudes de milhões de pessoas do que as atitudes de um só indivíduo, Bernays mostrou desde cedo compreender melhor que ninguém a importância e o funcionamento da opinião pública.
Com uma reputação algo controversa devido ao seu protagonismo – que rompia com o resguardo convencional dos homens de Relações Públicas, que se limitavam aos bastidores – Bernays quebrava barreiras tal e qual um atleta olímpico.
Criou a teoria original sobre a reação a boatos e rumores, concebeu o conceito de «segmental approach», formulou o modelo dos projetos de RP, elaborou a célebre técnica de marketing «engineering consent», foi pioneiro no «product placement» e desenvolveu as primeiras técnicas para o lobbying político.
Mais do que o «pai das RP» ou o «pai do spin», Edward Bernays deixaria um legado único que fundaria uma das profissões mais influentes de sempre.
Numa época repleta de preconceitos e convenções sociais estritas, o teórico pisaria o risco e arriscaria tudo para seguir as suas ideias. Mesmo que estas colidissem com as normas estabelecidas.