1968
Cobertura Mediática

Assassinato de Martin Luther King

Em abril de 1968, Martin Luther King deslocou-se à cidade Memphis, no estado do Tennessee, para apoiar uma greve dos funcionários sanitários de raça negra, que recebiam um ordenado inferior aos funcionários de raça branca.

Na manhã do dia 4, James Earl Ray alvejou mortalmente Martin Luther King ao entrar noquarto de hotel onde este estava hospedado.

A única fotografia que capta o horror do momento da morte de Martin Luther King foi tirada por um jovem sul africano, Joseph Louw, que estava a fazer um documentário sobre Martin Luther King.

Louw tinha estado a jantar num restaurante de Memphis, pouco antes da tragédia, mas saiu mais cedo para ver as notícias da noite na NBC. Assim que chegou ao Lorraine Motel ouviu um tiro. Correu para o local e viu Luther King no chão. Apercebendo-se que nada podia fazer apressou-se a ir buscar a máquina fotográfica.

“It was just a matter of realizing the horror of the thing. Then I knew I must record it for the world to see”.

Apesar de não estarem presentes no local, as televisões rapidamente deram a notícia. Devido à hora (ao mesmo tempo que as notícias da noite), muitos pivôs receberam a informação em direto, o que originou algumas incorreções.

A programação habitual foi interrompida assim que se confirmou a morte de Martin Luther King. Apesar das cadeias de televisão terem jornalistas em Memphis, estes não se deslocaram ao local devido às imposições oficiais decretadas na cidade para prevenir violência.

A cobertura mediática da morte e dos motins que se seguiram prosseguiu por vários dias. A vida de Martin Luther King serviu de mote a programas matinais, programas da tarde e especiais de informação.

Cancelando uma viagem ao Havai, o presidente Lyndon Johnson dirigiu-se nessa mesma noite à nação para expressar o choque e tristeza pela morte de Martin Luther King. O discurso foi transmitido em direto pelas três televisões existentes.

1968 King Assassination Report (CBS News)

“America is shocked and saddened by the brutal slaying tonight of Dr. Martin Luther King.

I ask every citizen to reject the blind violence that has struck Dr. King, who lived by nonviolence.

(…) I know that every American of good will joins me in mourning the death of this outstanding leader and in praying for peace and understanding throughout this land”.

The Death of Martin Luther King

Mas a morte de Luther King chocou e fragilizou uma nação ferida, dividida e abalada por motins e manifestações, conflitos sociais e uma guerra controversa.

Desencadeou protestos violentos, incendiou um país já em ebulição e originou uma caça ao homem que durou dois meses. Moldou uma geração.

Imortalizou o homem e fez nascer o símbolo dos direitos civis, da igualdade, paz e justiça para todos. Teria sido assim de outra forma?

Se a morte de Martin Luther King o eternizou aos 39 anos (numa altura em que registava até uma quebra de popularidade), a luta da sua vida levou a mudanças drásticas na cobertura dos media sobre os direitos dos negros e até sobre assuntos sociais.

O carisma e a singular capacidade oratória de Luther King faziam dele uma apetecível figura mediática, o que lhe permitiu conquistar espaço de antena e marcar a agenda.

Em agosto de 1963, Martin Luther King promovou a famosa Marcha em Washington. Um espetacular evento mediático, segundo Walter Cronkite, um dos mais populares pivôs da TV norte-Americana de sempre.

Transmitida em direto através da radio e das três televisões que existiam na altura tornou mainstream a luta pelos direitos civis, com uma marca e assinatura: “I have a dream”.

"Technology shapes the way a story is covered, the way it's presented (…) Television during the 1960s presented narratives. It allowed people to be in front of the camera and allowed them to be seen and for their voices to literally be heard”, William Thomas, chairman of the Department of History at the University of Nebraska-Lincoln.

Mas o mais icónico discurso de King quase não aconteceu. King e os seus assessores trabalharam no texto durante uma semana e o reverendo continuou a refazer o discurso até ao último minuto, eliminando palavras e introduzindo novas frases. Na véspera do discurso, o rascunho não continha qualquer referência a um "sonho". Martin Luther King procurava sempre um final perfeito para os seus discursos. Como sofria constantes ameaças à sua vida, insistia num tom profético quando estava a terminar um discurso, como se estivesse a dizer as suas últimas palavras.

Na véspera da Marcha em Washington, ponderou se deveria falar do "sonho" e se este seria um final emotivo para o seu discurso. Há meses que vinha falando do seu "sonho" em discursos por todo o país, defendendo a sua visão de uma coexistência racial harmoniosa. Pediu a opinião de dois dos seus assessores. Um deles, Wyatt Tee Walker, aconselhou-o a não mencionar a frase "I have a dream". 

Era demasiado cliché. King já a tinha usado demasiadas vezes, disse. O segundo assessor, Andrew Young, concordou. King não disse nada. Mas nessa noite alguém o ouviu repetir as mesmas palavras uma e outra vez no seu quarto de hotel, depois de toda a gente se deitar: "Eu tenho um sonho... Eu tenho um sonho... Eu tenho um sonho..."

O ritmo e musicalidade, a cadência e entoação do discurso remetem para o passado de Martin Luther King como pastor na igreja Baptista. Como a maior parte dos americanos que estavam a seguir a Marcha em Washington através da televisão, o Presidente John F. Kennedy ouviu um discurso integral de Martin Luther King pela primeira vez nesse dia. Terá comentado com um dos seus assistentes na Casa Branca que ele era “damn good”.

Martin Luther King, Jr. I Have A Dream Speech

Martin Luther King, Jr. I Have A Dream Speech

Para a perpetuação do mito contribuíram também as teorias da conspiração em torno da morte de Martin Luther King, envolvendo o governo e a CIA.

Narrativas que ainda hoje apaixonam os media e a opinião pública.

A eleição de Barack Obama avivou a memória de Martin Luther King e dos seus discursos. Apaixonantes. Mobilizadores. Fraturantes. Históricos. As comparações foram inevitáveis, como se o novo presidente dos EUA cumprisse finalmente o “sonho”.

Mais de 40 anos depois de “I have a dream”, um outro líder negro entoou e repetiu num mesmo discurso uma frase que também ganharia um lugar na história: “Yes we can”.

E se na década de 60 a televisão foi o medium que catapultou Luther King e lhe deu visibilidade - pelo papel preponderante que tinha como formador de opiniões -, em 2007 foram as redes sociais a desempenhar um papel fundamental na eleição de Barack Obama.

Yes We Can - Barack Obama Music Video

A partir do discurso proferido em New Hampshire, o cantor will.i.am juntou cerca de trinta atores e músicos num video de apoio (supostamente não oficial) divulgado no YouTube e que correu mundo.

Não surpreendeu, portanto, que na tomada de posse de Barack Obama os U2 tenham cantado em direto, com transmissão para todo o mundo, a partir de Washington, na mesma escadaria onde Martin Luther King proferiu o emblemático discurso, a canção que lhe é dedicada “Pride, in the name of love”.

U2 Concert Barack Obama

U2 Concert Barack Obama

A luta pelos direitos civis dos negros nos anos 60 e a vida de Martin Luther King tem servido de inspiração a canções, livros, documentários e filmes, até porque a questão do preconceito racial está longe de estar sanada nos EUA.

Em 2014 chegou às salas de cinema “Selma”, um filme que mostrava um lado mais humano do líder. Um herói com dúvidas e contradições, que somou pequenas vitórias mas também muitas derrotas. Imediatamente se relacionou o filme com protestos que tinham ocorrido em Ferguson dando a entender que, na verdade, o sonho não acabou.