Augusto Abelaira
Homem de Letras e das letras que no Jornalismo se destaca pelas suas crónicas. N’ O Século assina, a partir de 1974, as «Entrelinhas», n’O Jornal, de 1978 a 1992, a crónica tem o título de «Escrever na Água» e no Jornal de Letras, os seus textos são publicados em «Ao pé das letras», até 1996
Abelaira dos mil e um talentos
Augusto Abelaira, nasceu a 18 de março de 1926, em Ançã no concelho de Cantanhede e licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Exerceu igualmente os cargos de diretor das revistas Vida Mundial (1974-75) e Seara Nova (1968-69). Foi ainda diretor de programas da RTP (1977-78) e presidente da Associação Portuguesa de Escritores (1978-79),
Nas décadas de 50, 60 e 70, época áurea dos grupos de tertúlias e serões dos cafés de Lisboa tais como; o Café Chiado, o Martinho do Rossio, o Portugal, o Café Bocage ou o Monte Carlo, Augusto Abelaira era presença comum em muitas destes encontros.
Baptista-Bastos dizia mesmo: «Invulgarmente culto, nunca impôs os formidáveis conhecimentos que possuía, desde a literatura à física, da pintura à música, da filosofia ao cinema e ao teatro. Era, além disso, um melómano distintíssimo, de apurado ouvido, fino gosto e extraordinário sentido crítico. Ouvi-lo era um prazer sem igual, tanto mais que ele não fazia alarde da sua imensa cultura, pelo contrário: ocultava-se numa modéstia impressionante».
O jornalista escritor
Tais conhecimentos e vivências, que se espraiavam pelas mais diversas áreas eram indubitavelmente visíveis nas suas crónicas observando-se até, a confluência da arte, com a literatura e com a filosofia.
Exemplo disso foi a «Escrever na água», crónica semanal n’ Jornal de Letras, dedicada a Carlos Oliveira, escritor e amigo, a 3 de Julho de 1981: «Carlos de Oliveira era uma das três pessoas com quem eu me habituara a conversar na própria ausência delas. O interlocutor de certos momentos quando eu estava sozinho.Quando escrevia um livro (que pensará o Carlos de Oliveira?). Quando via um bom filme (ele que não ia ao cinema). Quando lia um bom livro. Até quando amava. Sim, que pensará o Carlos de Oliveira? E apesar de vê-lo todos os dias conversava mais com ele quando não estava com ele. Com quem vou agora conversar quando estiver sozinho, agora que das três pessoas com quem conversava em silêncio já outra morreu alguns tempos antes? E penso nas tantas coisas que lhe disse em silêncio, mas que não me atrevi a dizer-lhe na realidade».
Ainda sobre literatura e a importância do leitor Augusto Abelaira, escreveu no mesmo espaço: «Um romance é não somente o que lá pôs o escritor mas é também aquilo que lá puseram os leitores, esse leitor imaginário é um leitor muito especial: é um leitor que sente a falta de um certo livro ainda por escrever. E o escritor procura corresponder a esse desejo, oferecendo-lhe o desejado livro.»
Abelaira quis transmitir aos leitores do jornal, que um escritor escreve para um leitor e que este se assume como seu cúmplice e até coautor.
«Sinceridade e falta de convicções na Obra de Fernando Pessoa», era o título que Augusto Abelaira, com apenas 21 anos, escreveu para a revista Mundo Literário.
O título e o tema manifestavam precocemente os interesses e crítica deste jornalista e escritor. A necessidade de uma leitura atenta, crítica e esclarecida era um assunto patente a quase todas os textos e obras de Abelaira.
No período de 1981 a 1996, Augusto Abelaira publicou crónicas na secção «Ao pé das letras» do Jornal de Letras nas quais, mais uma vez, se confirmou o interesse pela interpretação do mundo literário e dos seus intervenientes.
Em dezembro de 1992, publicou um texto intitulado «A propósito do diário de Samuel Pepys», aqui afirmou não ser um leitor de diários, mas que, com a leitura da obra deste escritor inglês, descobriu uma série de curiosidades sobre a relação do escritor com a literatura: a razão da escrita, os motivos da publicação, o perfil do leitor.
Num outro artigo editado no Jornal de Letras, intitulado de «Saber Ler», Augusto Abelaira colocou as seguintes questões:
«Será que os Portugueses (a maioria dos portugueses) não gostam de ler porque, embora alfabetizados, não sabem ler? Será que a escola os ensinou a soletrar, mas não a compreender, para além de cada frase, uma a uma considerada, a sequência de frases que constituem um todo? (…) Dizem-me alguns professores liceais: muitos alunos chegam aos últimos anos sem compreender o que leem, sem saber resumir um texto, se ele não for uma simples notícia de jornal. Logo: que estiveram os alunos a fazer durante os primeiros anos? Ou: que estiveram os professores a fazer? Ou: que espécie de ensino é o nosso? Quero dizer: como classificar um ensino que não ensinou aos alunos o prazer da leitura, pouco importa se leitura de romances ou de livros de Física? Sem ensinar o prazer da leitura não haverá leitura, e sem leitura nunca ultrapassaremos a Grécia».
A alfabetização e a degradação da relação das demais gerações com a Literatura eram outras temáticas que Augusto Abelaira abordava nas suas crónicas.
A luta pela liberdade
Abelaira esteve também envolvido na luta contra o Antigo Regime. Distribuiu panfletos, assinou documentos a favor da liberdade.
Corajoso e convicto e de uma lealdade a toda a prova, Augusto Abelaira foi preso pela PIDE, por ter atribuído, como membro de júri, o Prémio de Novelística da então Sociedade Portuguesa de Escritores, a «Luuanda», de Luandino Vieira, na altura preso no campo de concentração do Tarrafal.
Augusto Abelaira morreu a 4 de julho de 2003, vítima de doença perlongada. Além das crónicas dispersas pelos vários jornais por onde passou, Augusto Abelaira deixou também um número vasto de obras literárias tais como «A Cidade das Flores»; «Sem Tecto entre Ruínas» e «Outrora Agora».