Mário Neves
Repórter na Guerra Civil de Espanha, cofundador d’A Capital, embaixador e diplomata. A sua carreira atravessa várias áreas e torna Mário Neves num dos nomes de maior destaque do Jornalismo português.
«Sou o primeiro jornalista português da entrar em Badajoz depois da queda da cidade em poder dos revoltosos. Acabo de presenciar um espetáculo de desolação e de pavor que não se apagará tão cedo dos meus olhos».
A 15 de agosto de 1936, Mário Neves revelava ao mundo a «matança de Badajoz». A cidade fora tomada pelos nacionalistas no dia anterior.
O repórter do Diário de Lisboa conseguira chegar a Badajoz através da fronteira portuguesa do Caia, deparando-se com «cenas de horror e desolação».
Mário Neves, à época um jovem estudante de Direito de 24 anos, testemunhava a chacina perpetrada pelas forças rebeldes de Franco.
Na edição do dia seguinte, a dimensão da tragédia tornava-se ainda mais clara:
«Passámos depois pelo fosso da cidade, que está ainda amontoado de cadáveres. São os fuzilados desta manhã».
A 17 de agosto, o seu despacho telefónico apresentava um tom determinado.
«Vou partir. Quero deixar Badajoz, custe o que custar, o mais depressa possível e com a firme promessa à minha própria consciência de que não mais voltarei aqui».
As palavras nunca chegaram às páginas do Diário de Lisboa. A crónica foi integralmente cortada pela censura.
O texto só viu a luz do dia em 1963. No livro El Mito de la cruzada de Franco, de Herbert Southworth, foram tornadas públicas as palavras que o regime português queria calar.
Portugal teria de esperar até 1985, ano em que Mário Neves publicou as suas memórias em livro.
A obra A Chacina de Badajoz «é um desabafo e constituiu um alívio para cerca de meio século de opressão da minha consciência», revelou o repórter.
A polémica de Badajoz
Nos anos que se seguiram, o jornalista viu-se envolvido em polémicas sobre a veracidade dos acontecimentos de Badajoz, um debate que se mantém até hoje.
Em 1937, os textos do repórter português foram utilizados tendenciosamente numa obra de Geoffrey McNeill-Moss, tendo em vista descredibilizar o próprio massacre.
Mário Neves respondeu através de uma carta ao diretor do Diário de Lisboa, publicada a 6 de dezembro.
«As minhas crónicas, a que me esforcei por dar objetividade, servem afinal para erradas interpretações do major McNeill-Moss», escreveu.
A verdade histórica acabava por subsistir.
A sua promessa de não regressar a Badajoz manteve-se durante mais de 45 anos.
Mário Neves voltou à cidade a pedido de uma equipa de televisão britânica, a propósito de um documentário sobre a Guerra Civil Espanhola.
A cobertura do massacre de Badajoz foi o seu primeiro grande trabalho jornalístico e imortalizou o seu nome na história da reportagem em Portugal.
O início no Jornalismo
Mário Neves, nascido a 18 de Janeiro de 1912, iniciara o seu percurso pelo Jornalismo num matutino.
Com a morte do seu pai, o também jornalista Hermano Neves, começou a trabalhar no jornal O Século.
Chegou ao Diário de Lisboa em 1931, mantendo-se na redação até 1967. Em 1958, assumiu o cargo de diretor-adjunto.
O nome de Mário Neves aparece frequentemente ligado a um outro episódio marcante da História nacional.
A 10 de maio de 1958, o jornalista terá participado na cobertura das eleições presidenciais, às quais concorria o candidato independente Humberto Delgado.
Em conferência de imprensa, o General foi questionado sobre que postura adotaria relativamente ao Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, caso fosse eleito.
«Obviamente, demito-o», respondeu. Um soundbite que fez História.
A autoria da pergunta é muitas vezes atribuída a Mário Neves, mas outras fontes avançam que terá sido Lindorfe Pinto Basto, correspondente em Lisboa da agência noticiosa France Presse, a questionar o candidato independente.
Novos títulos
De repórter a dirigente, Mário Neves também colaborou na criação de diversas publicações.
Em maio de 1945, fundou com José Ribeiro dos Santos a revista Ver e Crer.
A publicação era inspirada pelo modelo das Selecções do Reader’s Digest, embora de cariz abertamente progressista.
Mais de duas décadas depois, a 21 de fevereiro de 1968, chegava às bancas o primeiro número d’ A Capital (2.ª série).
O vespertino, cuja publicação tinha sido interrompida em 1938, voltava à vida sob alçada de Norberto Lopes, no papel de diretor, e de Mário Neves, como diretor-adjunto.
Antes da edição inicial, o jornal já era questionado pelo regime; a equipa viu-se obrigada provar que se tratava de uma publicação de informação geral e não com uma determinada inclinação política.
«Nós não somos comunistas, há gente da Voz, há gente do Novidades, há gente do Diário de Lisboa, há gente de outros jornais…», argumentava Mário Neves.
Marcello Caetano cedeu e A Capital saiu para as bancas. A primeira batalha tinha sido vencida.
Mário Neves assinou o artigo de fundo da primeira edição. Um trabalho, como à época era inevitável, condicionado pelo lápis azul da censura.
O número inaugural vendeu cerca de cem mil exemplares. O efeito novidade e a qualidade dos colaboradores do periódico tornaram-no num sucesso junto do público.
Os aumentos de vendas permitiram contratar mais jornalistas e modernizar os equipamentos.
«Queremos fazer de A Capital uma escola de jornalismo», afirmava Mário Neves.
Na viragem para a nova década, o jornal começava a perder leitores e publicidade. As mudanças faziam baixas.
«Desiludido com o rumo que as coisas estavam a tomar», Mário Neves deixa A Capital em 1971 e abandona a profissão.
A carreira de diplomata
Já depois do 25 de Abril, o antigo repórter tornou-se o primeiro embaixador de Portugal na União Soviética, onde permaneceu até 1977.
De regresso a Portugal, foi Secretário de Estado da Emigração, em 1979, no V Governo Constitucional, de Maria de Lourdes Pintasilgo.
A uma carreira profícua no Jornalismo juntavam-se diversos cargos e atividades noutras áreas, incluindo Política, Economia e Diplomacia.
Destacou-se ainda pelo seu trabalho no Instituto Português de Oncologia e na Associação Industrial Portuguesa.
Embaixador, diplomata, fundador, diretor e repórter. Mário Neves faleceu a 1 de janeiro de 1999.