Luís Lupi
Luís Lupi foi “jornalista, espião e empresário”. Foi o fundador da agência noticiosa portuguesa Lusitânia. Foi correspondente de agências estrangeiras em Portugal e autor de diversos livros sobre as ex-colónias portuguesas, publicados entre as décadas de 50 e 70 do século XX.
DAS ORIGENS A REPRESENTANTE E CORRESPONDENTE EM PORTUGAL
Luís Caldeira Lupi nasceu no dia 27 de dezembro de 1901, em Lisboa. Contudo, cedo foi para a antiga Lourenço Marques, com 2 anos apenas, por o seu pai ter sido nomeado diretor de Tráfego dos Caminhos de Ferro de Moçambique.
Iniciou os seus estudos na antiga província do Transvaal Oriental, no colégio de Lydenburg, de padres irlandeses, onde aprendeu a língua inglesa. Em 1911, Luís Lupi muda-se para Inglaterra, aos cuidados de um amigo da família – Leo Weinthal, proprietário e diretor do jornal “The African World”.
Já havia estalado a Primeira Guerra Mundial (1914-18) quando Luís Lupi regressa a Moçambique para trabalhar como agrimensor. Ao mesmo tempo, trabalha como correspondente no “The African World”, uma ligação que manteria até ao fim da sua vida. Escreve ainda alguns artigos para “O Africano”, para o “The Lourenço Marques Guardian” e para o “Moçambique”. Um dos seus artigos mais controversos, sobre o “magaíça” – os trabalhadores moçambicanos que trabalhavam nas minas de ouro da África do Sul, em regime de semiescravidão – será publicado por Reinaldo Ferreira, conhecido pelo pseudónimo de “Repórter X”. Para além de diversos artigos, Lupi fará várias traduções, entrevistas e adaptações de publicações anglófilas para a revista de Reinaldo Ferreira.
Em 1927, volta para Lisboa. Com uma curta carreira no jornalismo, mas fluente em inglês e com contactos com o mundo anglo-saxónico, Lupi procura tornar-se oficialmente jornalista. Continua como colaborador da Agência Geral das Colónias e do “Jornal Europa”, bem como correspondente de agências e jornais ingleses. Esta ligação com o Reino Unido também lhe virá a valer o epíteto de “espião” no futuro. Tal fama virá a acentuar-se com o início da II Guerra Mundial, época em que a capital portuguesa está dividida entre anglófilos e apoiantes da Alemanha.
Em 1930, torna-se codiretor e, posteriormente, diretor da revista “Portugal Explorador”, uma edição mensal de discussão da atividade comercial com o estrangeiro, sob a égide dos ministérios das Colónias e dos Estrangeiros. Lupi assinará o cabeçalho da revista até abril/maio de 1931. O número 4 de “Portugal Explorador”, a primeira edição em que aparece o nome de Luís Lupi, elogia o trabalho do General Norton de Matos em Angola, revelando a cumplicidade de Lupi com um dos principais estrategas do colonialismo português durante a Primeira República e candidato à Presidência da República, em 1949. O jornalista acumula vários cargos e, ainda nesse mesmo ano, também se torna correspondente do “Comércio da Guiné”, o novo jornal publicado em Bissau.
A primeira agência telegráfica a colaborar com os jornais portugueses foi a Havas, em 1866. A agência de notícias Havas teve uma posição privilegiada no mercado português até ao ano de 1930, data a partir da qual se viriam a realizar acordos com outras agências mundiais — Reuters, Associated Press e Wolff (2). Lupi começa a colaborar com a Associated Press em 1932, acumulando com o trabalho para a Reuters. Manterá a colaboração com a Reuters até ao final de 1939, ano em que cessa contrato na perspetiva de se dedicar inteiramente à Associated Press.
Pouco depois da sua vinda para Lisboa, Lupi envolve-se na Maçonaria, o que também marcará a sua ficha política durante vários anos. Com o nome simbólico de Karl Marx, Luís Lupi é iniciado na Maçonaria, a 14 de julho de 1929, mas a sua ligação dura pouco tempo. A 21 de novembro de 1931, Lupi é exonerado por alegada falta de pagamento de quotas. No entanto, a polícia política continua a identificá-lo como maçon durante vários anos. Admirador de Salazar, não deixa de ter problemas com o Regime: chega a ser detido pela polícia política em 1936, segundo a PIDE, por ter dado informação “inconveniente” a Londres.
Em junho de 1938, Lupi tenta inscrever-se no Sindicato Nacional de Jornalistas. Contudo, uma denúncia de que Lupi enviava para o estrangeiro notícias prejudiciais a Portugal divide a classe. O processo de adesão prolongar-se-ia por cerca de três anos. Assim, apenas aos 40 anos de idade, Lupi torna-se oficialmente jornalista, quando o seu pedido de adesão ao Sindicato Nacional dos Jornalistas é finalmente aceite.
Lupi colaborou com a Sociedade de Geografia e versou sobre assuntos africanos e de política internacional. Foi ainda autor de diversos livros sobre as ex-colónias portuguesas, publicados nas décadas de 50 e 70 do século XX, bem como sobre as suas memórias em três volumes (1971/1973). Entre as suas obras, destacam-se “Achtung! – uma civilização ameaçada” (1936), de teor anticomunista; “Portugal tem o dever de salvar África para a Europa” (1951), em que defende a ideia das então províncias portuguesas como “oásis afro-europeus”; a publicação de “Quem incendiou o Congo” (1960), sobre os acontecimentos no Congo Belga na época da independência, que provocaram vítimas e refugiados que foram acolhidos em Angola.
LUSITÂNIA: UMA AGÊNCIA DE NOTÍCIAS EM PORTUGAL
Muito está por contar sobre as agências de notícias em Portugal. Existem referências a agências de notícias em Portugal durante os anos 20 e 30 do século XX, tais como a “Latino-Americana”, criada por Virgínia Quaresma em 1921, ou mesmo a “Radio” ou a homónima da “Lusitânia” de Lupi (2).
Seguindo o exemplo de outros países da Europa, Lupi tenta criar uma agência de notícias em Portugal. Lupi estava descontente com as notícias que eram publicadas através de agências estrangeiras nos jornais das ex-colónias, pelo que, ainda durante os anos 30 do século XX, começa a projetar a criação de uma agência de informação. Em 1939, envia um projeto de criação da agência de notícias ao Secretariado da Propaganda Nacional. Enquanto não recebia uma resposta, Lupi foi obtendo alguns apoios para o seu projeto junto do “Diário de Notícias”, do “Século” e do “Diário de Lisboa”. Lupi defendia a criação de uma agência de notícias portuguesa, uma agência cooperativa constituída por todos os jornais portugueses da metrópole das colónias, pois considerava que a maioria dos jornais portugueses era preenchida pelos monopólios do noticiário estrangeiro, cujas informações eram influenciadas por interesses externos ao país.
Apesar da inimizade com António Ferro que o afastaria do Secretariado da Propaganda, a 30 de dezembro de 1944, com o apoio de Marcelo Caetano e da Sociedade de Propaganda de Portugal, Lupi funda a Lusitânia, apontada como a primeira agência de notícias portuguesa.
Marcelo Caetano atribuiu um subsídio para a formação da agência. Lupi aceitou o apoio à revisão de tarifas das telecomunicações por parte do Ministério das Colónias, sendo que a responsabilidade pelos restantes encargos e riscos ficaram a cargo de Lupi. Aliás, a agência funcionou, física e funcionalmente, integrada na Sociedade de Propaganda de Portugal. Considerou-se que a Lusitânia deveria ser “exclusivamente devotada” aos interesses da Nação, independente da influência de partidos ou grupos dominantes, estando sujeita à influência do ministro Marcelo Caetano, enquanto membro do Governo.
Logo após iniciar o serviço noticioso da Lusitânia, Lupi distribui uma carta a todos os jornalistas e correspondentes da agência: seria o primeiro livro de estilo de que há registo na Imprensa portuguesa.
No primeiro ano de existência, a Lusitânia cumpre um papel muito importante nos jornais das então colónias portuguesas, chegando mesmo a ultrapassar a presença da Reuters, há muito estabelecida em África.
Estima-se que entre a data da inauguração da agência e o ano de 1951, a Lusitânia terá enviado para o antigo Ultramar um total de 152 398 notícias, através da Companhia Portuguesa Rádio Marconi. No entanto, Lupi não viria a atingir o objetivo de transmitir uma imagem positiva de Portugal para a opinião pública internacional, sobretudo a norte-americana.
Após o 25 de Abril de 1975, a Lusitânia e a ANI – Agência de Notícias e Informação (concorrente direta da primeira, fundada por Dutra Faria, em 1947) extinguem-se, por estarem vinculadas aos ideais do Estado Novo. A Lusitânia é extinta a 18 de novembro de 1974. Durante o “Verão Quente de 1975” é criada a ANOP – Agência Noticiosa Portuguesa, que nas palavras de Luís Paixão Martins será “a primeira agência com relevância nacional e prestígio internacional”.
A Lusitânia encerra a sua atividade e Luís Caldeira Lupi, nacionalista convicto e feito Visconde de Baçaim pelo Papa João XXIII, falece em 1977, em Madrid. A agência Lusitânia ficará até aos dias de hoje conotada com a colaboração com o Estado Novo, mas, perante o Regime, Lupi nunca perderia a fama de conspirador. A análise da vida de Lupi e da agência à qual está intimamente ligado são muito importantes para a compreensão da história das agências noticiosas portuguesas.
Referências:
- Fonseca, W.; Rosa, G.P. (2023) Jornalista, Espião e Empresário. A Vida Aventureira de Luís Lupi nos Corredores do Estado Novo. Lisboa: Âncora Editora.
- Sales, J. das C.& Mota, S. (2021) As agências de notícias portuguesas/ em Portugal: um contributo para a sua história. Livros ICNOVA, (2). Obtido de https://colecaoicnova.fcsh.unl.pt/index.php/icnova/article/view/18
- https://www.castroesilva.com/store/sku/1604PG030/viewItem.asp?idProduct=22329&image=3