Sangue. Suor. Sentença.

Os atletas que passaram a arguidos. Moveram multidões, pisaram as maiores arenas do mundo, conquistaram troféus e tornaram-se ídolos do mundo do desporto. Mas a sua carreira ficou manchada pelo crime.

O. J. Simpson

Estrela de Futebol Americano nos Bufalo Bulls

Acusação: Duplo homicídio

Veredicto: Absolvido

«An American Tragedy» [«Uma Tragédia Americana»].

A 27 de junho de 1994, O. J. Simpson fez capa da revista Time.

Duas semanas antes, o jogador de futebol americano tornara-se o principal suspeito do assassínio da sua ex-mulher e do alegado namorado desta.

Um crime que ficou, desde logo, marcado pela questão racial: as vítimas eram brancas e o suspeito um homem negro.

Um debate para o qual a Time contribuiu, ao escurecer a foto de Simpson utilizada na sua capa.

O contraste tornava-se ainda mais visível pelo facto da rival Newsweek ter publicado a imagem original.

A Time desculpou-se publicamente, mas tal não evitou as acusações de racismo.

A cisão racial gerada com este episódio marca a sociedade norte-americana até aos dias de hoje e integra a cultura popular do país.

Nova dose de controvérsia para um caso que já era considerado o "trial of the century", reunindo uma atenção mediática sem precedentes.

A  17 de junho de 1994, 95 milhões de norte-americanos estavam colados à televisão.

Um Ford Bronco branco acelerava pelas estradas de Los Angeles. No banco de trás seguia O. J. Simpson, apontando uma arma à própria cabeça.

Considerado suspeito, o antigo jogador tornava-se protagonista de um dos mais icónicos momentos televisivos da história da televisão.

 

 

As principais emissoras nacionais interromperam a emissão para transmitirem em direto a perseguição.

Tal era o número de câmaras a acompanhar o carro que os sinais de diferentes televisões foram confundidos e transmitidos nas emissoras erradas.

A perseguição culminou com a chegada de Simpson à sua mansão, onde se rendeu e foi levado pelas autoridades.

Em conferência de imprensa, Robert Kardashian, um dos advogados de Defesa, leu uma carta na qual Simpson negava o seu envolvimento no caso e revelava tendências suicidas.

“First, everyone understand I had nothing to do with Nicole's morder” [«Em primeiro lugar, percebam todos que não tive nada a ver com o assassinato da Nicole»].

 

 

Os americanos assistiram à sua participação no caso, ignorando que, 20 anos depois, a prole de Kardashian viria a reunir ainda mais atenção mediática que o próprio O. J. Simpson, tornando-se num verdadeiro fenómeno da cultura popular.

Antiga estrela do futebol americano no Bufallo Bulls, Simpson – apelidado “The Juice” – convertera-se em ator e comentador e era uma figura admirada pelos americanos.

Mas o público estava prestes a conhecer uma nova faceta da antiga estrela do desporto.

Em Tribunal, foi-lhe colocada a questão que toda a América tinha em mente.

Simpson foi perentório: “Absolutely, 100 percent not guilty” [«Absolutamente, 100 por cento inocente»].

 

 

Longe do campo de futebol, Simpson lutava agora pela mais importante vitória da sua vida: a liberdade.

Com o início do julgamento, as câmaras chegavam à sala do tribunal.

Fama, sangue, poder, violência… ingredientes irresistíveis para o público e, em consequência, para os meios de comunicação.

O "trial of the century" [«julgamento do século»] invadia os media norte-americanos.

A CNN terá dedicado um total de 900 horas de emissão ao caso.

Em junho de 1995, os olhos da América estavam em Simpson, quando o antigo atleta experimentou a luva alegadamente usada durante o crime.

“It makes no sense. It doesn’t fit. If it doesn’t fit, you must acquit” [«Não faz sentido. Não serve. Se não serve, devem absolver»], declarou o advogado de Defesa.

 

 

A acrescentar à polémica, foram levantadas dúvidas sobre a influência que a presença das câmaras no tribunal e atenção mediática tinham sobre os intervenientes no julgamento, em especial os jurados.

16 meses depois do início dos procedimentos legais, a América parava para escutar o veredicto.

A 3 de outubro de 1995, mais de 150 milhões de espetadores – 57% da população do país – viram Simpson levantar-se e virar-se na direção do júri, para escutar a sua decisão.

“We, the jury in the above entitled action, find the defendant, Orenthal James Simpson, not guilty of the crime of murder” [«Nós, o júri na ação acima intitulada, consideramos o réu, Orenthal James Simpson, inocente do crime de assassinato»] .

Do júbilo ao desespero, as reações por toda a nação refletiram a confiança na inocência – ou na falta dela – de O. J. Simpson.

 

 

474 dias depois, o antigo atleta voltava a ser um homem livre.

O veredicto – e as reações que este despoletou pela América fora – tornou ainda mais evidentes as divisões raciais do país.

“At least there was one moment of visible black-and-white unity last week. […] They were united, briefly, in an anxious silence of the heart. As soon as the verdict was read, however, they split apart; they could watch themselves do it on the split screens. On one side jubilation, on the other dismay” [“Pelo menos houve um momento de união visível entre broncos e negros, na semana passada. […] Estavam unidos, brevemente, num silêncio ansioso do coração. Contudo, assim que o veredicto foi lido, dividiram-se; podiam ver-se a si próprios a fazê-los nos split screens. De um lado júbilo, do outro desânimo»], escreveu a Time.

No dia seguinte à sua libertação, Simpson falou com Larry King, da CNN. “I’m doing fine” [«Estou bem»], revelou o antigo atleta.

A entrevista aprofundada só chegaria em janeiro de 1996. O encontro com o jornalista Ross Becker não foi transmitido na televisão, mas sim vendido em cassete.

“I realize now that the story, the ratings are more important than the truth and that is something that has become abundantly clear to me through this ordeal” [«Apercebo-me agora que a estória, as audiências são mais importantes do que a verdade e isso é algo que se tornou bastante claro para mim durante esta situação»], afirmou Simpson.

 

 

A verdade – ou uma versão desta – foi publicada no polémico livro «If I did it: Confessions of the Killer», em que O. J. Simpson apresenta uma «hipotética» descrição de como teria cometido os crimes.

O Tribunal deu o seu veredicto, mas, para milhões de americanos, as dúvidas subsistem, mais de duas décadas depois do “trial of the century”.

Rubin “Hurricane” Carter

Pugilista

Acusação: Homicídio triplo

Veredicto:  Pena perpétua

A 15 de janeiro de 1976, a Rolling Stone publicava uma reportagem sobre a “Night of the Hurricane”, que juntara grandes nomes da música, a convite de Bob Dylan.

“It was a special night – one marked by a cast that spanned two decades of political dissent and music – when Bob Dylan brought the Rolling Thunder Revue to Madison Square Garden” [«Foi uma noite especial – marcada por um cartaz que atravessava duas décadas de dissidência política e musica – quando Bob Dylan levou o Rolling Thunder Revue a Madison Square Garden»] . 

Um ambiente muito diferente do sítio onde o artista atuara, semanas antes: a prisão onde, há quase uma década, estava encarcerado Rubin “Hurricane” Carter, o homem que inspirara a mais recente música de Dylan e a atuação no Madison Square Garden.

Carter fora acusado de um homicídio triplo, que decorrera em junho de 1966. As vítimas eram brancas.

Um dos feridos referiu que o crime tinha sido cometido por dois homens negros, transformando o ataque numa questão racial, um assunto que dividia a América.

Os depoimentos de duas testemunhas – que tentavam executar um roubo num edifício próximo – colocaram Rubin Carter e o seu amigo no local do crime.

Um júri, constituído por 12 membros, todos brancos, considerou os arguidos culpados. A sentença? Prisão perpétua.

A condenação interrompia prematuramente a carreira desportiva de Rubin ”Hurricane” Carter.

O jornalista Fred Cranwell presenciara um dos seus primeiros combates enquanto profissional.

“I like to use metaphores and I did that night. I called him the hurricane from Paterson” [«Gosto de usar metáforas e fi-lo naquela noite»], revelou o repórter do Jersey Journal.

Ao longo do ano de 1963, Carter tornou-se um nome regular em Madison Square Garden.

A sua chance de conquistar o título chegou no final de 1964, quando defrontou o campeão, Joey Giardello.

 

 

O confronto tinha sido antecedido por um artigo no The Saturday Evening Post intitulado «A Match Made in the Jungle» [“Um Encontro Feito na Selva»], onde Carter fazia declarações polémicas.

“Let’s get guns and go up there and get us some of those police. I know I can get four or five before they get me” [«Vamos arranjar armas e ir lá e apanhar alguns daqueles políticas. Sei que consigo apanhar quatro ou cinco antes que me apanhem»].

Os episódios de violência que marcaram a vida de Carter não eram desconhecidos das autoridades… nem dos media.

Determinado a limpar o seu nome, o antigo pugilista escreveu, a partir da prisão, a autobiografia The Sixteenth Round, publicada em 1974.

A obra chegou às mãos de George Lois.

Um dos maiores publicitários da época, ficou convencido da inocência de Carter e decidiu levar a cabo uma campanha para a sua libertação, começando por criar anúncios.

“I went to the New York Times, the ads, and told them I wanted to run them in their newspaper. It took a couple of days of them arguing but they finally gave in. When they did, I said, ‘OK can you run it on page two?’” [«Fui ao New York Times, aos anúncios, e disse-lhes que queria publicá-los no jornal. Demorou alguns dias, com eles a discutir, mas finalmente cederam. Quando aceitaram, disse, ‘OK, podemos publicá-los na página dois?”»].

O movimento, batizado de Hurricane Fund, ganhou proeminência.

Uma marcha de apoio, liderada pelo também pugilista Muhammad Ali, reuniu mais de 10 mil pessoas.

«We got Johnny Cash, Harry Belafonte, Don King, Gay Talese, Hank Aaron, George Plimpton, Burt Reynolds, Ed Koch, Barry White, and Don King. I can’t believe some of the people who gave us support» [«Tínhamos Johnny Cash, Harry Belafonte, Don King, Gay Talese, Hank Aaron, George Plimpton, Burt Reynolds, Ed Koch, Barry White, e Don King. Não consigo acreditar nalgumas das pessoas que nos apoiaram»], referiu Lois.

O momento mais mediático da prisão de Carter chegaria com o lançamento da música «Hurricane», interpretada por Bob Dylan.

O concerto organizado pelo artista no Madison Square Garden foi um marco da campanha pela inocência de Carter.

“I'm not in jail for committing murder.  I'm in jail partly because I'm a black man in America, where the powers that be will only allow a black man to be an entertainer or a criminal” [«Não estou na prisão por assassinato. Estou na prisão parcialmente por ser um homem negro na América, onde os poderes apenas permitem a um homem negro trabalhar em entretenimento ou um criminoso»], afirmou Carter, em 1975, em entrevista à Penthouse.

O apoio mediático tinha deixado a sua marca: Carter foi libertado por alguns meses e foi-lhe permitido submeter-se novamente a julgamento.

Mas o impensável aconteceu.

“He lost control of himself and slapped a female friend – a terrible thing. So the state figured they could publicize it and not only retry him, but also reframe him” [«Ele perdeu o controlo e esbofeteou uma amiga – uma coisa terrível. Então o Estado apercebeu-se que podiam publicitá-lo e não apenas voltar a julgá-lo, mas voltar a culpá-lo»], conta George Lois.

O segundo julgamento enviou Carter de novo para a prisão no final de 1976.

Nos anos 80, a equipa de defesa Carter reuniu novos apoiantes e, em 1985, foi liberto.

O Juiz H. Lee Sarokin considerou que as acusações tinham sido baseadas “an appeal to racism rather than reason, concealment rather than disclosure” [«um apelo ao racismo em vez de à razão, à ocultação em vez de à divulgação»].

O ex-pugilista acabou por ser ilibado de todas as acusações.

Mesmo em liberdade, não pendurou as luvas e tornou-se um ativista.

“No matter that they sentenced me to three life terms in prison. I wouldn't give up. Just because a jury of 12 misinformed people […] found me guilty did not make me guilty. And because I was not guilty, I refused to act like a guilty person” [«Não interessava que me tivessem sentenciado a três prisões perpétuas. Não ia desistir. Só porque um júri de 12 pessoas desinformadas […] me considerou culpado isso não me tornou culpado. E porque não era culpado, recusei-me a agir como tal»].

A sua história foi retratada no filme The Hurricane, de 1999, que valeu a Denzel Washington um Globo de Ouro.

”He's all love. He lost about 7,300 days of his life, and he's love. He's all love”, afirmou o ator, ao receber o prémio [«Ele é todo amor. Perdeu cerca de 7.300 dias da sua vida, e é amor. É todo amor»]. 

 

 

Carter continuou a dedicar-se à luta pelos direitos daqueles que acreditava terem sido condenados injustamente.

Em fevereiro de 2014, publicou um artigo no New York Daily News no qual defendia a inocência de David McCallum, preso há quase três décadas. 

«McCallum was incarcerated two weeks after I was released, reborn into the miracle of this world. Now I’m looking death straight in the eye; he’s got me on the ropes, but I won’t back down» [«McCallum foi preso duas semanas depois de eu ter sido libertado, renascido no milagre deste mundo. Agora estou a olhar a morte nos olhos; ela tem-me nas cordas, mas não desistirei»].

McCallum foi libertado em outubro desse ano. Carter morrera seis meses antes, a 20 de abril de 2014.

Carlos Monzón

Campeão Mundial de Boxe

Acusação: Homicídio

Veredicto: 11 anos de prisão

“Monzón casí casado” [“Monzón quase casado”]; “Otra vez juntos” ['Novamente juntos»] ; “Monzón: otra vez papá” [«Monzón: outra vez pai»]; “La nueva vida de Monzón” [«A nova vida de Monzón»].

Nos anos 80, Carlos Monzón era um nome recorrente nas páginas da imprensa argentina.

As conquistas amorosas do antigo atleta tornado ator reuniam tanta ou mais atenção que os seus feitos desportivos, anos antes.

Mas se a sua carreira desportiva o levara à glória e ao título de campeão do mundo, a sua vida amorosa iria, pelo contrário, terminar em tragédia.

«Yo estoy seguro que yo no maté Alicia» [«Tenho a certeza que não matei a Alicia»].

Em 1993, Carlos Monzón recebeu as câmaras do Canal 9 nas suas instalações, na cadeia. O antigo campeão mundial de boxe estava preso há quatro anos.

 

 

 

 

O crime? O seu envolvimento na morte da sua esposa.

Na madrugada de 14 de fevereiro de 1988, Alicia Muñiz caiu de uma varanda, acabando por morrer.

Com um historial de violência doméstica e depois de uma noite que culminara com uma acesa discussão entre o casal, Monzón foi desde logo considerado o principal suspeito.

O caso agitou a Argentina naquele domingo de Verão.

«Todos estavam a falar sobre como o Monzón tinha matado a Alicia. Não se falava de ter sido um acidente», afirma Carlos Irusta, jornalista especializado em boxe. 

Com a morte de Alicia, a opinião pública assistia, incrédula, à queda de um dos maiores heróis nacionais.

Em julho de 1989, Carlos Monzón foi condenado a 11 anos de cadeia.

Asesino, asesino” [«Assassino, assassino»], gritava a multidão ao antigo pugilista.

A 22 de março, Monzón dá a sua primeira entrevista atrás das grades.

Escolhe um meio italiano, afirmando que a imprensa argentina “lo maltrata” [«o maltrata»]. “Me dolió que me gritaran asesino” [«Magoou-me que me gritassem assassino»],afirmou.

Em entrevista à Cablevisión Los Toldos, continuou a alegar inocência. «Lo mío no fue un asesinato como dicen todos, así me juzgó el periodismo, fue un accidente» [«O meu caso não foi um assassinato como todos dizem, assim me julgou o Jornalismo, foi um acidente»].

Faleceu a 8 de janeiro de 1995, num acidente de automóvel, durante uma das suas saídas autorizadas da prisão.

A Argentina emocionava-se com a sua morte.

 

 

No seu funeral, milhares de pessoas cantaram «Dale campeón, dale campeón» [«Dá-lhe campeão, dá-lhe campeão»].

De «asesino» [«assassino»], Monzón passava novamente a «campeón» [«campeão»].

«Un día fue campeón, conoció la fama, filmó películas, alternó con los grandes personajes del mundo y terminó en la cárcel…» [«Um dia foi campeão, conheceu a fama, filmou metragens, relacionou-se com as grandes figuras do mundo e terminou na prisão…»], resumiu a revista El Gráfico.

A sua vida inspirou o filme Carlos Monzón, el segundo juicio (1996), uma metragem marcada pelo crime.

Bruno Fernandes de Souza

Guarda-redes do Flamengo

Acusação: Envolvimento em homicídio

Veredicto: 22 anos de prisão

«Estou torcendo muito para que ela apareça».

A 1 de julho de 2010, Bruno Souza falou pela primeira vez à imprensa, numa comunicação que faz lembrar o discurso da personagem de Ben Affleck no filme de 2014, Gone Girl.

 

 

Três semanas antes, desaparecera Eliza Samudio mãe do filho recém-nascido do jogador.

Uma semana depois, Bruno Souza estava atrás das grades.

 

 

Não era a primeira vez que a relação tempestuosa entre os dois fazia manchetes.

A 13 de outubro de 2009, Eliza Samudio, grávida de cinco meses, deu uma entrevista ao jornal EXTRA onde denunciava ter sido alvo de violência e ameaças por parte do jogador.

«Ele [Bruno] falou assim: “Se você for na delegacia ou em qualquer lugar, eu vou atrás de você, mato você, mato a sua família, mato as suas amigas”».

No auge da sua carreira, o guarda-redes negou as acusações numa nota para a imprensa.

«Não é a primeira vez que ela inventa esse monte de mentiras para tentar me prejudicar. Da outra vez não provou nada e não vai provar novamente, porque inventou essa história toda». 

O filho de ambos nasceu em fevereiro de 2010 e Eliza levou Bruno a Tribunal para que este reconhecesse a paternidade.

A confirmação dos testes de ADN só chegou em outubro, já depois do desaparecimento de Eliza.

No Brasil, o julgamento foi acompanhado ao segundo.

À época da sua prisão, o «Goleiro Bruno» era um dos grandes nomes do Flamengo, desejado por clubes europeus.

Os contornos sórdidos do caso fizeram manchetes por todo o mundo. Osca já tinham dado o seu veredicto.

«Indefensável», lia-se, na capa da Época.

A 8 de março de 2012, o Brasil escutava a sentença do antigo dono da baliza do Flamengo: 22 anos de cadeia.

Em 2013, na sua primeira entrevista concedida a partir da prisão, Bruno Souza foi perentório: «A verdade é que eu não mandei matar a Eliza».

 

 

A sua história continuou a conquistar atenção mediática, mesmo depois de lida a sentença.

«Me deixem jogar», lia-se, na capa da revista Placar, em março de 2014.

Dois meses antes, o guarda-redes assinara com o Montes Claros FC, mas a Justiça não o autorizou a entrar em campo.

O contrato é de 5 anos. A sua condenação é de 22.

Oscar Pistorius

Estrela Olímpica e Paralímpica

Acusação: Homicídio

Veredicto: 5 anos de prisão

186 616 publicações por dia, 7776 por hora e 130 por minuto.  Em fevereiro de 2013, Oscar Pistorius foi o assunto mais falado das redes sociais.

O atleta olímpico e paralímpico fora detido por alvejar a sua namorada. Reeva Steenkamp acabara por morrer.

Estima-se que apenas 4 por cento do debate sobre o caso tenha decorrido em meios tradicionais, com 85% a centrar-se no Twitter.  

Numa semana, foram feitas 1 306 313 publicações sobre o caso nas redes sociais.

A sua cobertura valeu a Barry Bateman, correspondente da Eyewitness News, mais de 100 mil novos seguidores.

No Twitter, a hashtag #Pistorians reuniu os apoiantes do ex-atleta, que não tinham dúvidas sobre a sua inocência.

Mas nem todos estavam tão certos.

Um terrível acidente ou um crime pérfido? A cobertura mediática era marcada pela incerteza.

Na manhã seguinte ao tiroteio, a Polícia dava uma conferência de imprensa improvisada.

“We have also taken cognizance of the media reports during the morning of an alleged break in or that the young lady was mistaken to be a burglar […] We're not sure where this report came from” [«Fomos informados de que os media reportaram durante a manhã que houve um assalto ou que a jovem foi confundida com um assaltante. […] Não sabemos de onde veio esta informação»].

 

 

O ângulo tinha mudado. A suspeita de crime em vez de acidente tornava-se mais forte. Nos media, o julgamento já começara.

“World shock at Oscar arrest” [«Choque mundial com a detenção de Oscar»], escrevia o sul-americano Cape Times.

 

Mas esta não era a primeira vez que Pistorius se via a braços com a Justiça.

Em 2009, durante uma festa, tinha sido acusado de causar indiretamente lesões a uma convidada.

A sua detenção levou-o a perder patrocínios desportivos.

Agora, a parada estava ainda mais elevada: era a sua liberdade que estava em jogo.

“PR spin isn't going to keep Oscar Pistorius out of prison», afirmou Suarts Higgins, da equipa de Relações Públicas do ex-atleta, «but the truth might” [«As RP não vão manter Oscar Pistorius fora da cadeia, mas a verdade pode fazê-lo»].

Pistorius fizera história ao tornar-se, em 2012, o primeiro atleta portador de deficiência física a competir nos Jogos Olímpicos.

O feito catapultara-o para um nível sem precedentes de fama internacional, tornando-o num verdadeiro herói na África do Sul.

 

 

Nem só os seus feitos desportivos faziam capas: a sua vida pessoal também estava nas manchetes.

Uma semana antes da sua morte, Reeva tinha concedido à revista Heat a sua última entrevista.

«We haven’t been talking to the media because I don’t want to get it tainted […] You know what they do, they make things up» [«Não temos falado com os media porque não quero que se estrague […] Sabem o que eles fazem, inventam coisas»].

Durante o julgamento de Pistorius, a atenção mediática chegou a atingir mais de metade da cobertura total feita pelos meios sul-africanos, ultrapassando eventos como o Mundial de Futebol.

«The country is watching the court case unfold on television like it is a reality show. Only this is for real» [«O país está a assistir ao caso de tribunal a desenrolar-se na televisão como se se tratasse de um reality-show»], considerou Alex Crawford, da Sky TV.

A atenção dedicada ao caso era tanta que a emissora sul-africana DStv criou um canal dedicado exclusivamente ao “The Oscar Pistorius Trial” [«Julgamento de Oscar Pistorius»].

O mediatismo começou a incomodar a Justiça.

“It would appear there is somewhat a trial by the media houses of Mr. Pistorius” [«Parece que se trata de um julgamento do Sr. Pistorius pelos órgãos de comunicação»], avisou o magistrado do caso, Daniel Thulare.

À data da leitura do veredito, eram conduzidas pesquisas sobre como a opinião dos utilizadores do Twitter se ia alterando ao longo do dia e de acordo com os países.

Em 2014, foi absolvido da acusação de homicídio premeditado, mas condenado a cinco anos de prisão.

No final de 2015, Pistorius foi libertado sob fiança após ser acusado por assassínio.

O caso continuou a quebrar recordes no Twitter: numa hora, foram enviados 21 mil tuítes com ahashtag #oscarpistorius.

Dos mitos aos factos que marcaram a cobertura noticiosa, uma certeza: os triunfos de Pistorius na pista foram eclipsados, na esfera mediática, pelo crime.

Oscar Pistorius. «Man. Superman. Gunman.» [Homem. Super-homem. Homem armado»]

Ray Rice

Estrela de Futebol Americano nos Baltimore Ravens

Acusação: Violência doméstica

Veredicto: Programa de recuperação

“ELEVATOR KNOCKOUT” [«KNOCKOUT NO ELEVADOR»]

A 8 de setembro de 2014, o TMZ divulgava imagens chocantes de violência entre o jogador de futebol americano Ray Rice e a sua noiva.

 

 

Horas depois, os Baltimores Ravens tornavam público o despedimento de Rice e a NFL anunciava a sua suspensão indeterminada.

Depois de seis épocas na NFL e da conquista do campeonato, a carreira de Rice estava em risco de terminar.

O episódio de violência remontava a fevereiro desse ano.

A polícia tinha sido chamada a intervir e o casal tinha sido detido.

Poucos dias depois, a 19 de fevereiro, o TMZ divulgava as primeiras imagens, que mostravam Rice a arrastar a sua noiva, aparentemente inconsciente, para fora do elevador.

O treinador dos Baltimore Ravens reagiu com uma declaração à imprensa, dois dias depois: «There are a lot of question marks. But Ray's character, you guys know his character. So you start with that» [«Há muitos pontos de interrogação. Mas o caráter do Ray, vocês conhecem-no. Então começa-se por aí»].

A equipa continuou a manifestar o seu apoio quando, no final de março, a acusação de Rice foi considerada pelos jurados um crime de terceiro grau: «We know there is more to Ray Rice than this one incident» [«Sabemos que o Ray Rice é mais do que este incidente»].

No dia seguinte, Ray Rice e Janay Palmer casaram-se.

O atleta alegou inocência e foi colocado num programa de intervenção durante um ano.

O casal falou aos media, numa conferência de imprensa conjunta.

“Failure is not getting knocked down, it's not getting up”, foi uma das frases polémicas proferidas pelo jogador [«Falhanço não é ser derrubado, é não se levantar»].

 

 

 

 

A conta oficial dos Ravens no Twitter decidiu destacar as declarações de Janay Palmer, em que esta assumia parte da culpa pelo episódio.

O tuíte acabou por ser apagado em setembro, quando o segundo vídeo emergiu, mostrando as imagens captadas dentro do elevador.

Imagens que também contradisseram a «hipotética» versão dos factos levantada pelo advogado de Rice, Michael Diamondstein, em maio.

“Hypothetically […] the video comes out and the video shows — hypothetically speaking now, hypothetically speaking — shows that Ray wasn’t the first person that hit and Ray was getting repeatedly hit but just Ray hit harder, fired one back and hit harder” [«Hipoteticamente (…) o video é divulgado e o vídeo mostra – hipoteticamente falando, hipoteticamente falando – mostra que Ray não foi a primeira pessoa a agredir e que Ray estava a ser agredido repetidamente mas que agrediu com mais força, retaliou e agrediu com mais força»], afirmou, numa entrevista radiofónica.

Em julho, Rice foi multado e suspenso por dois jogos pela NFL.

“I stand behind Ray, he’s a heck of a guy” [«Eu apoio o Ray, é um grande homem»], afirmou o técnico dos Ravens, John Harbaugh.

Os adeptos pareciam concordar.

Rice foi recebido com uma ovação durante o treino dos Ravens.

A equipa organizou uma nova conferência de imprensa, onde o jogador se desculpou.

“The one thing that I wanna do today is apologize to my wife […] My actions were inexcusable” [«Aquilo que quero fazer hoje é pedir desculpa à minha mulher […] As minhas ações não têm desculpa»].

Nas suas primeiras declarações aos media sobre o caso. Roger Goodell, presidente da NFL, defendeu a sua decisão.

“I take into account all of the information before I make a decision on what the discipline will be” [«Tenho em consideração toda a informação antes de tomar a decisão sobre a medida disciplinar»].

No final de agosto, a NFL anunciava uma nova e mais dura política sobre violência doméstica e conduta violenta.

Goodell escreveu uma carta pública em que admitia, indiretamente, não ter agido da melhor forma relativamente ao caso de Rice.

“I take responsibility both for the decision and for ensuring that our actions in the future properly reflect our values. I didn't get it right. Simply put, we have to do better. And we will” [«Assumo a responsabilidade pela decisão e por garantir que as nossas ações no futuro refletem verdadeiramente os nosso valores. Não acertei. De forma simples, temos de fazer melhor. E vamos fazê-lo»].

A nova política seria testada no mês seguinte.

O TMZ divulgou as imagens do interior do elevador, que mostravam as agressões de Rice à sua parceira.

O vídeo conduziria ao seu despedimento e afastamento da NFL.

“It's something we saw for the first time today, all of us” [«É algo que vimos pela primeira vez hoje, todos nós»] afirmou o técnico dos Ravens, John Harbaugh. “It changed things of course. It made things a little bit different” [«Mudou as coisas é claro. Tornou as coisas um bocado diferentes»].

 

 

Também a NFL se mostrou surpreendida com as imagens.

“Did anyone in the NFL see the second videotape before Monday?” [«Alguém na NFL viu o segundo vídeo antes de segunda-feira?»] foi a questão. “No” [«Não»], garantiu Goodell.

História diferente noticiou a Associated Press.

A agência reportou que um oficial de justiça garante ter entregue as imagens à NFL em abril, recebendo um voicemail a confirmar a receção do vídeo.

A NFL respondeu com um comunicado.

“We have no knowledge of this. We are not aware of anyone in our office who possessed or saw the video before it was made public on Monday. We will look into it” [«Não temos conhecimento disto. Não sabemos de ninguém no nosso escritório que possua ou tenha visto o vídeo antes de ter sido tornado público na segunda-feira. Vamos investigar»].

O caso foi altamente reportado pelos media, mas a sua cobertura foi alvo de críticas, nomeadamente no que respeita à dificuldade de contextualização para além das consequências imediatas revelada por alguns órgãos.

“Re-posting a video of a woman being assaulted isn't journalism. Seeking her story, or information that can put it in context, is” [«Republicar um video de uma mulher a ser agredida não é jornalismo. Procurar a sua história ou informação que possa contextualizar, isso já é»], tuítou Meredith Clark, professora da Mayborn School of Journalism

A ESPN suspendeu o comentador Stephen A. Smith devido aos seus comentários sobre violência doméstica, afirmando que as mulheres não deviam “provoke wrong actions” [«provocar ações erradas»].

Nas redes sociais, a hashtag #GoodellMustGo reuniu centenas de adeptos insatisfeitos, que exigiam a demissão do presidente da NFL.

O descontentamento alastrou-se aos patrocinadores da NFL, como a marca CoverGirl, alvo da campanha #CoverGirlCott.

As hashtags #WhyILeft e #WhyIStayed foram utilizadas por vítimas de violência doméstica para partilhar as suas histórias.

Janay Palmer, a mulher que o mundo viu ser agredida pelo seu companheiro, reagiu através do instagram.

 “No one knows the pain that the media & unwanted options [sic] from the public has caused my family. […] THIS IS OUR LIFE!” [«Ninguém sabe a dor que os media e as opções [sic] do público têm causado à minha família. […] ESTA É A NOSSA VIDA!»]

Uma vida privada manchada por um crime público, que as imagens do TMZ revelaram ao mundo.