Raul Rego

A imagem de Raul Rego na varanda, de punho erguido, a agradecer o apoio da multidão, torna-se simbólica do caso República. Dos problemas com a Censura à tensão do pós-25 de abril, uma carreira abrangente, que deixa marca no mundo do Jornalismo

«Este jornal não foi visado por qualquer comissão de censura».

Às 9h30 do dia 25 de abril de 1974, com o movimento revolucionário ainda em marcha e sem se saber qual o resultado das operações militares, Raul Rego enviou para a tipografia a frase que seria publicada no rodapé da primeira edição do República, que sairia para a rua às 11h30.

Nesse mesmo dia, o repórter saberia, pela primeira vez, o que era praticar jornalismo em liberdade.

Raul Rego fazia parte da direção do jornal República desde 1971.

A sua chegada tinha impulsionado o crescimento do periódico, com as tiragens a passar de cerca de três mil exemplares para 10 a 15 mil.

Segundo o próprio, o segredo estava em «dar notícias, não fazer censura antes do censor».

A censura não era um adversário a subestimar.

Eram raros os textos de Raul Rego que resistiam incólumes à perscrutação dos censores.

Um editorial da sua autoria foi proibido por estar, segundo o censor, «cheio da pior intenção política».

Nos últimos tempos de ditadura, conta-se que o jornalista tinha por hábito deixar os textos censurados na caixa do correio do próprio Marcelo Caetano.

O jornal que dirigia destacava-se, aliás, pela luta contra o regime vigente, defendendo os direitos cívicos e democráticos.

Raul Rego foi responsável por fazer chegar ao República vários jornalistas, nomeadamente Vítor Direito e, posteriormente, João Gomes, Afonso Praça e Assis Pacheco.

O repórter tinha trabalhado com muitos deles na sua anterior redação, no vespertino Diário de Lisboa.

Raul Rego entrara para o jornal em 1959, a convite do diretor, Norberto Lopes.

Além de escrever para o Diário de Lisboa, trabalhava ainda no Jornal do Comércio, pois um era publicado de manhã, outro à tarde.

A sua colaboração com o Jornal do Comércioremontava a 1942, depois de experiências na revista Seara Novae na agência noticiosa Reuters.

A reportagem política tornou-se o seu ofício de eleição, apesar do papel castrador da censura.

Destemido e crítico, Raul Rego foi uma voz ativa contra o regime político desde o início da sua carreira.

Nascido a 15 de abril de 1913, em Morais, Macedo de Cavaleiros (Bragança), Raul Rego frequentou o curso de Teologia, mas acabou por abandonar a vida eclesiástica. 

Começou a trabalhar como professor no Colégio Moderno, fundando com os seus alunos o jornal Gente Moça.

Um artigo da publicação foi considerado uma ofensa à religião.

Foi afastado do Colégio por pressão do Ministro da Educação de Salazar, Carneiro Pacheco.

Os confrontos com o regime

Ao longo das décadas, foi várias vezes acusado de «exercício de actividade contra a segurança do Estado».

A sua militância no MUD – Movimento de Unidade Democrática, levou-o a ser preso pela polícia política, em 1945.

Inconformado, dirigiu os serviços de imprensa da campanha do General Norton de Matos e de Humberto Delgado.

Foi novamente preso ao publicar, com outros antifascistas, o Programa para a Democratização da República, em 1961.

Quatro anos depois, no enterro de Humberto Delgado, foi novamente detido, juntamente com Mário Soares, Abranches Ferrão e Catanho de Menezes.

A obra Para um Diálogo com o Sr. Cardeal Patriarcaditou uma nova ida para a cadeia.

O livro foi apreendido e Raul Rego preso pela PIDE.

O organismo voltou a interrogá-lo devido à publicação, em 1971, da obra O Processo de Damião Gois.

O seu papel para a defesa das liberdades democráticas valeu-lhe o reconhecimento internacional.

Em 1976, foi distinguido com a «Pena de Ouro da Liberdade», atribuída pela Federação Internacional dos Editores de Jornais e Publicações.

Raul Rego defendeu o exercício da cidadania plena numa dupla qualidade: não só enquanto jornalista, mas também como político. 

Em 1973, militantes da Acção Socialista Portuguesa reuniram em congresso na Alemanha e aprovaram a criação do Partido Socialista.

Raul Rego foi um dos fundadores do partido.

A duplicidade do papel jornalístico e político nem sempre foi fácil de gerir, especialmente nos conturbados tempos que se seguiram ao 25 de abril.

O caso República

Raul Rego foi uma das figuras do chamado Caso República, ilustrativo da luta pelo controlo da Comunicação Social, durante o Verão Quente de 1975.

As instalações do República foram ocupadas pela Comissão Coordenadora de Trabalhadores, em forma de protesto contra a linha editorial da publicação.

Os trabalhadores defendiam a suspensão da direção, acusada de tentar transformar o jornal num porta-voz dos interesses do PS.

A Comissão comunicou aos jornalistas que quem deixasse as instalações não poderia voltar a entrar.

No exterior da redação, o PS organizou uma manifestação de apoio à antiga direção.

A imagem de Raul Rego na varanda, de punho erguido, a agradecer o apoio da multidão, tornou-se simbólica das tensões vividas na imprensa nacional.

A 29 de maio de 1975, é publicada a primeira edição do Jornal do Caso República, dirigido por Raul Rego.

«A luta que divide neste momento os trabalhadores da “República”, ultrapassa em muito o âmbito do jornal, de quantos o fazem, dos seus acionistas e leitores. O que está em jogo é o direito à livre expressão, reconhecer a todos os homens e a todos os movimentos, políticos e outros, iguais possibilidades de contacto com o público e de captação de adeptos […]», escreveu, no editorial.

O Repúblicaacabou por cessar publicação em janeiro de 1976.

Em agosto de 1975, foi lançado o jornal A Luta, dirigido por Raul Rego e com uma equipa composta por vários jornalistas da antiga redação do República.

«Um jornal partidário, que não dá notícias de tudo, não tem público suficiente […] o jornal fracassou ao fim de uns tempos, tornou-se dispensável, passou a ser um órgão do PS», considerou Raul Rego.

Esteve ainda à frente do Portugal Hoje, também ele um órgão conotado com o Partido Socialista.

Após a revolução dos cravos, tornou-se secretário de Estado para a Comunicação Social no I Governo Constitucional.

Foi ainda Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa entre 1977 e 1979.

Foi eleito deputado da Assembleia Constituinte (depois Assembleia da República) nas eleições de 25 de abril de 1975, cargo que exerceu até 1999.

Um dos seus momentos mais mediáticos foi durante a votação sobre a despenalização do aborto.

«Um homem entra no Parlamento, sentado numa cadeira de rodas e puxado pela imposição da coragem e pela firmeza das certezas. O homem chama-se Raul Rego, e ali está para atribuir o seu voto à proposta de despenalização do aborto», descreve Batista Bastos.

O autor e historiador

Além da sua carreira como jornalista e político, também se destacou como escritor e historiador, publicando dezenas de obras.

Ficou conhecido como um dos principais bibliófilos portugueses, pela sua paixão e estudo dos livros.

Jornalista, político, historiador e maçon, Raul Rego foi um homem das artes e da cultura e destacou-se na defesa das liberdades democráticas.

Faleceu a 1 de fevereiro de 2002, já considerado um dos símbolos da liberdade de imprensa e um dos rostos da democracia.

«A minha geração foi uma das sacrificadas. Espero que o meu sacrifício aproveite à paz e progresso dos meus filhos».