Eduardo Gageiro
Designam-no como o “fotógrafo do povo e da revolução”. O próprio define-se como “um homem de coragem por trás de uma máquina”.1
Viveu toda a sua vida em Sacavém, onde, na antiga Fábrica de Loiça, conviveu com pintores, escultores e operários fabris que marcaram de forma decisiva a sua escolha pelo caminho do fotojornalismo. Eduardo Gageiro começou a fotografar aos 12 anos, com uma máquina emprestada ao irmão, que acabou por nunca devolver.
Mais tarde, e com a influência de Armando Mesquita, mestre de cerâmica, convenceu o pai a comprar-lhe a sua primeira máquina fotográfica. Nos primeiros tempos, levou as suas fotografias a preto e branco, sempre captadas com luz natural, característica que o distinguia, a salões de fotografia espalhados pelo mundo, onde cedo começou a ser distinguido e a ganhar prémios que anunciavam o talento singular que viria a marcar a sua carreira.2
Iniciou o seu percurso profissional colaborando com dois dos títulos graficamente mais inovadores do final dos anos 50 e início da década de 60: o Diário Ilustrado e a revista Almanaque. No entanto, foi sobretudo nas páginas do Século Ilustrado que a força do seu olhar fotográfico se tornou verdadeiramente evidente.
Fotógrafo da vida e das pessoas, foi com a célebre Viúva da Nazaré, em 1963, que conquistou inúmeros prémios internacionais e um reconhecimento singular entre os seus pares. Num tempo em que a fotografia em Portugal vivia ainda um panorama débil, Gageiro destacou-se de forma ímpar, afirmando-se rapidamente como um dos mais importantes fotojornalistas do país.3
Em 1965, Gageiro foi preso pela PIDE por enviar fotografias para a imprensa estrangeira, que denunciavam as condições de vida do povo português e as injustiças do regime político de Salazar.4
A Revolução Através da Lente
Com o romper do dia, a 25 de abril de 1974, Gageiro percorreu as ruas de Lisboa para registar os acontecimentos e encontrou o capitão Salgueiro Maia na Rua do Arsenal, onde forças da Escola Prática de Cavalaria de Santarém confrontavam-se com tropas do Regimento de Cavalaria 7, leais ao regime.5
A partir desse instante, Gageiro passou a acompanhar de perto Salgueiro Maia, tornando-se testemunha privilegiada dos acontecimentos do 25 de Abril. A fotografia que mais marcou a sua carreira mostra o Capitão de Abril no Terreiro do Paço, tentando conter a emoção, mordendo o lábio inferior.
>Outros dois registos fotográficos memoráveis daquele dia capturaram um soldado a retirar o retrato de Salazar das paredes da sede da polícia política e um agente do regime em cuecas, na Rua António Maria Cardoso; lado a lado, essas fotografias tornaram-se símbolos poderosos da queda da ditadura e do triunfo da liberdade.6
“A Tragédia da Impossibilidade”
Para muitos, esta é a fotografia que marcou o jornalismo português e internacional. Eduardo Gageiro, que acompanhava, por acaso, a delegação portuguesa, no âmbito comercial da Canon, viu-se no epicentro de um dos ataques terroristas mais chocantes da história dos Jogos Olímpicos: o Massacre de Munique. Com engenho e coragem, infiltrou-se na aldeia olímpica, juntando-se a uma delegação de outro país que usava uma camisa azul idêntica à sua naquele dia. E subiu pelas escadas até ao 16.º andar, onde estava alojada a delegação portuguesa.
Na penumbra da varanda, captou o momento crucial em que terroristas e reféns se preparavam para embarcar, momentos antes do resgate no Aeroporto de Fürstenfeldbruck, que terminou em tragédia.
O rolo com essa fotografia foi confiado a um passageiro, escolhido aleatoriamente pelo fotojornalista, que o entregou a um colega do Século Ilustrado, que estaria à sua espera no Aeroporto de Lisboa. Mal chegou à redação, a fotografia foi publicada na capa do jornal do dia seguinte, tornando-se imediatamente um marco do fotojornalismo mundial.7
O Legado do Olhar
O reconhecimento que conquistou permitiu-lhe afastar-se por momentos das notícias e dedicar-se a trabalhos mais aprofundados, como os retratos de figuras marcantes da sociedade portuguesa. Estes retratos revelam facetas menos conhecidas dessas personalidades: Jorge Sampaio como maestro, Ramalho Eanes rodeado pelos seus relógios, ou Miguel Torga… de pantufas! Entre os retratados estão também Helena Vieira da Silva, Amália Rodrigues, José Cardoso Pires, Álvaro Cunhal, António Lobo Antunes e Maria Lamas, todos captados com a sensibilidade singular de Gageiro, capaz de revelar o lado mais humano e inesperado de cada um.8
O trabalho de Eduardo Gageiro percorreu o mundo e rendeu-lhe mais de 300 prémios internacionais, entre os quais se destacam o 2.º prémio do World Press Photo, em 1974, com uma fotografia do General António Spínola, e, em 2005, o Prémio Especial do Júri e a Medalha de Ouro na 11.ª Exposição Internacional de Fotografia Artística da China. Em reconhecimento pelo seu contributo, foi condecorado em 2004 com a Ordem do Infante D. Henrique, pelo Presidente Jorge Sampaio, e é também Cavaleiro da Ordem de Leopoldo II, da Bélgica.
Ao longo da carreira, colaborou com jornais e revistas internacionais de renome, como Herald Tribune, Stern, Paris-Match e Manchete, e trabalhou como freelancer para instituições de prestígio, incluindo Deutsche Grammophon, Yamaha e Cartier. Publicou diversos livros em parceria com escritores e é membro de honra de conceituadas associações fotográficas internacionais, consolidando-se como uma referência incontornável da fotografia portuguesa.9
Em 2024, no ano em que Portugal celebrava os 50 anos do 25 de Abril, a Cordoaria Nacional recebeu uma grande retrospetiva dedicada a Eduardo Gageiro. Sob o título Factum, a exposição reuniu cerca de 170 fotografias, traçando um vasto retrato do seu percurso e revelando a intensidade de um olhar capaz de atravessar épocas e guardar memórias.
Eduardo Gageiro faleceu a 4 de junho, em Lisboa, aos 90 anos. Permanece, contudo, o eco da sua visão: como escreveu Baptista-Bastos, “nas fotos de Gageiro apanha-se a tragédia da impossibilidade”. Imagens que não se esgotam no instante em que foram feitas, mas que continuam a falar do mundo, da vida e da memória, imortais pela sensibilidade e pela força de quem soube transformar a História em fotografia.10
1 https://expresso.pt/podcasts/a-beleza-das-pequenas-coisas/2025-06-04-eduardo-gageiro-gostaria-de-ser-recordado-como-um-rapaz-de-sacavem-que-procurou-sempre-denunciar-as-injusticas-e-que-vai-morrer-vertical-44ff9c3b
2 Testemunhos: Manuel Falcão, Gonçalo Pereira Rosa e Sérgio B. Gomes
3 https://almadaonline.pt/eduardo-gageiro-um-rapaz-de-sacavem/
4 Entrevista RTP (2006) e Documentário Biográfico de António-Pedro Vasconcelos (2014)
5 Idem
6 https://rr.pt/noticia/vida/2024/04/23/um-pide-em-cuecas-foi-a-ultima-fotografia-de-eduardo-gageiro-no-25-de-abril/375563/?utm_source=chatgpt.com
7 Testemunhos: Manuel Falcão, Gonçalo Pereira Rosa e Sérgio B. Gomes
8 https://almadaonline.pt/eduardo-gageiro-um-rapaz-de-sacavem/
9 https://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://galeriasmunicipais.pt/wp-content/uploads/2024/01/GM_Cordoaria_EG_fs_pt-4.pdf
10 Entrevista RTP (2006) e Documentário Biográfico de António-Pedro Vasconcelos (2014)





