1974
LIBERDADE
1974 foi o ano em que chegou, de 24 para 25 de abril, a madrugada tão esperada por Sophia de Mello Breyner: “Esta é a madrugada que eu esperava/ o dia inicial inteiro e limpo/ onde emergimos da noite e do silêncio.”
Dois dias depois do 25 de Abril, saía a primeira edição do Expresso sem o espartilho da censura. Na primeira página contavam-se os bastidores da rendição de Marcello Caetano no quartel do Carmo e pormenores da detenção do Presidente da República, almirante Américo Tomás, “na sua residência”.
E era anunciada para o dia seguinte a chegada a Santa Apolónia de Mário Soares, oriundo de Paris, de comboio.
Mas o ano começara com uma notícia de uma saga que ainda por aí anda: a de que concorriam oito consórcios à “adjudicação da execução da primeira fase” do... novo aeroporto de Lisboa. Um tema que voltaria mais para o fim do ano.
“Portela ou Rio Frio: o futuro do aeroporto de Lisboa decide- se até 13 de novembro”, dizia o Expresso em manchete.
Ainda no início do ano, na primeira página aparecia uma foto sem sentido no canto inferior direito, a cabeça de uma mulher fotografada de costas. Sendo o Expresso “o jornal dos que sabem ler”, como se anunciava, os que “sabiam ler” sabiam o que isso significava: a foto preenchia o espaço de uma notícia que a censura não deixara publicar.
Apesar desse garrote editorial, até ao “dia inicial inteiro e limpo” o jornal não deixou de noticiar acontecimentos políticos relacionados com a oposição. O processo judicial contra 17 militantes do LUAR (entre os quais o líder, Hermínio da Palma Inácio), grupo clandestino que lutava contra o regime, seria aliás manchete no jornal. Nela informava-se também que dois estudantes de Direito tinham sido acusados pela polícia política de pertencer ao grupo de extrema-esquerda MRPP: José Luís Saldanha Sanches e aquela que seria anos depois sua mulher, uma tal Maria José Morgado, que mais tarde seria procuradora-geral-adjunta do Tribunal da Relação de Lisboa.
Depois do 25 de Abril foi a efervescência política que se sabe, que culminaria na famosa manifestação da “maioria silenciosa” prevista para 28 de setembro — um protesto de toda a direita com o qual os promotores queriam mudar o regime, mas que os serviços de informação e o Movimento das Forças Armadas fizeram gorar. O Partido Comunista Português tornara-se entretanto o primeiro partido legal, ao entregar as 5 mil assinaturas necessárias para a legalização.
Na primeira edição de outubro, surgia na primeira página do Expresso outro grande símbolo da mudança. Duas fotos no canto inferior esquerdo mostravam a substituição da placa da Ponte Salazar por Ponte 25 de Abril, com a letra zê do Salazar a cair, numa imagem do fotógrafo Miranda Castela que ficaria famosa.
A gasolina super tinha aumentado entretanto para o equivalente a 6,25 cêntimos o litro, o seguro automóvel passava a ser obrigatório e era lançado por cá o primeiro cartão de crédito. Olhando para a frente, era anunciado que o urânio iria substituir o petróleo em 1981 em Portugal, com a entrada em funcionamento do primeiro reator nuclear para a produção de eletricidade.
No estrangeiro, destaque para o caso Watergate – as escutas na sede do Partido Democrata norte-americano, que levaram à demissão do Presidente Richard Nixon – e para a “legalização política internacional” da Organização de Libertação da Palestina com a ida do seu líder, Yasser Arafat, às Nações Unidas para discursar.
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